quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O piloto do dia - Gilles Villeneuve (3ª parte)

(continuação do capitulo anterior)

Em 1979, Gilles Villeneuve faz dupla com o sul-africano Jody Scheckter, mas o carro novo só está pronto na terceira prova do ano, na África do Sul. Até lá, guiou com o carro antigo, onde conseguiu um quinto posto em Interlagos. Quando puderam estrear o novo chassis, em Kyalami, Villeneuve aproveitou as condições atmosféricas para vencer convincentemente a corrida. Na prova seguinte, em Long Beach, Villeneuve dominou o fim-de-semana, ao fazer a pole-position, a volta mais rápida e a vitória na corrida. De “desastre” passava para um dos melhores do pelotão. Contudo, não iria pontuar nas três corridas seguintes: Espanha, Bélgica e Mónaco.

Em França, a 1 de Julho de 1979, Villeneuve era o terceiro a partir na grelha de partida dominada pelos Renault turbo, que queriam vencer na sua corrida caseira. No momento da largada, Villeneuve arranca bem e consegue superar os Renault, indo para o comando. O canadiano fica por lá até que o carro de Jean-Pierre Jabouille começa a assediá-lo até meio da corrida, altura em que o consegue ultrapassar.

Perto do fim, com Jabouille a caminho da vitória, Villeneuve era assediado pelo outro Renault de René Arnoux, que tentava chegar à segunda posição e a uma dobradinha da marca francesa. Contudo, a três voltas do fim, Villeneuve resiste e contesta a ultrapassagem ao piloto francês, começando ali, o que é para muitos, a mais épica batalha por um lugar na História do Automobilismo do século XX.

Na primeira tentativa, Arnoux supera Villeneuve, com o seu motor Turbo, mas na volta seguinte, o canadiano trava mais tarde para conseguir ultrapassar o francês. E a terceira tentativa, à entrada da última volta, fica nos anais da História: Arnoux e Villeneuve ficam lado a lado, tocam-se roda com roda por quatro vezes, quase saindo de pista, mas no final, o canadiano leva a melhor sobre o francês. Enquanto que Jean-Pierre Jabouille caminhava para a sua primeira vitória na Formula 1, e a primeira de um motor Turbo, mas aparentemente, pouca gente ligava a isso…

No final, veio a verificar-se que o sistema de alimentação do Renault de Arnoux tinha algumas pequenos problemas, os suficientes para afectar a sua velocidade de ponta, mas os suficientes para equilibrar face ao Ferrari do canadiano. Muitos celebraram a batalha, mas outros simplesmente acharam que tudo aquilo tinha sido uma insensatez, até perigoso para o desporto. Tanto mais que, quinze dias depois, no fim de semana inglês, Villeneuve e Arnoux foram chamados a comparecer pela GPDA. Eis a história, contada pelo Luiz Fernando Ramos, o Ico:

"Na corrida seguinte, em Silverstone, Gilles Villeneuve e René Arnoux foram chamados a uma reunião com a cúpula da GPDA na época, formada por Niki Lauda, Emerson Fittipaldi, Clay Regazzoni e Jody Scheckter. Lauda acusou: 'Vocês pilotaram em Dijon de maneira perigosa e danificaram a imagem do esporte'. Arnoux respondeu de imediato: 'Com você, isto jamais teria acontecido... porque você levantaria o pé logo de cara!'. Gilles virou as costas aos pilotos e deixou a sala. Rindo."

Dias depois, dois dos mais prestigiados jornalistas de então, Dennis Jenkinson e Nigel Roebuck, defenderam as manobras de Arnoux e Villeneuve, afirmando que o episódio de Dijon deveria ser catalogado como a essência máxima do desporto automóvel. Eles próprios defeniram o episódio da seguinte forma:

Gilles – “Esta é simplesmente a minha melhor memoria como piloto de Formula 1, aquelas voltas foram fantásticas, ultrapassarmo-nos um ao outro para ver quem chegava primeiro á linha, tocarmo-nos mas sem querer por o outro fora. Foi simplesmente dois pilotos a lutar por um segundo lugar sem serem sujos mas a tocarem-se porque queriam chegar á frente do outro. Foi fantástico, adorei o momento.”

René – “Eu penso que só duas pessoas eram capazes de fazer aquela coisa, Villeneuve e eu. Para mim é a minha melhor memória de Gilles. Ele era muito boa pessoa na pista e na vida também. Ele era extremamente natural e não tinha nunca segundas intenções e em pessoas assim pode-se confiar até a 300km/h.”

Nas corridas seguintes, Villeneuve não teve muita sorte a seu lado. Não termniou em Silverstone e foi oitavo em Hockenheim, depois de ter sido obrigado a reparar a asas traseira. Em Zeltweg, Villeneuve foi segundo, atrás do Williams de Alan Jones, agora a maior ameaça da Ferrari.

Na Holanda, a batalha continuava. Villeneuve partiu atrás de Jones, mas pouco depois, conseguiu ultrapassar o australiano para uma liderança, que se destacava volta após volta. Mas na volta 49, Villeneuve começava a ter um furo lento, que causou dois despistes, tendo o último acontecido devido à ruptura total do pneu traseiro esquerdo. O incidente ocorrera na Curva Tarzan, e seria um longo caminho até às boxes, caso quisesse chegar lá. Tentou a sua sorte, mas a uma velocidade “normal”, causando a destruição do eixo traseiro, chegando às boxes com ela totalmente desfeita, obrigando a abandonar. Mas tinha de novo dado nas vistas, em mais um momento que ficaria guardado na mente dos “afficcionados” do automobilismo.

Enzo Ferrari disse então: “Villeneuve ainda faz alguns erros ingénuos, mas é um homem que quer vencer acima de tudo. Ele foi justificadamente criticado mas não nos devemos esquecer que a sua paixão e o seu entusiasmo tiveram um predecessor, Tazio Nuvolari, e que este em 1935 ganhou o GP da Checoslováquia em Brno, só com três rodas. Assim, era possível."

Nigel Roebuck escreveu: “Graças a Deus que ainda há alguns poucos neste mundo que não sabem o que é desistir. Foi meio louco? Foi. Mas a sua atitude é coerente e veio do exacto mesmo espírito, paixão e competitividade que caracterizaram todas as suas corridas. Ele gosta mais de ganhar do que de não perder.”

Dennis Jenkinson: “A sua atitude e julgamento a alta velocidade, os seus reflexos, a sua tenacidade e a alegre excitação do seu estilo de pilotagem faz-nos a todos ir a um circuito só para o ver em acção.”

Em Monza, a Ferrari preparava-se para ganhar ambos os títulos de construtores e de pilotos, mas quem iria recolher os frutos era Scheckter e não Villeneuve. O autódromo estava cheio para ver a consagração da marca do Cavalino Rampante, e ambos os pilotos não desiludiram: o sul-africano venceu e conquistou o seu título mundial, enquanto que Gilles, fiel escudeiro, foi o segundo classificado.

Em Montreal, Villeneuve, já liberto de quaisquer obrigações, lutou pela vitória na sua terra natal, mas nesse fim-de-semana lutava contra um imbatível Alan Jones. Apesar de na partida ter superado o australiano, ao fim de 50 voltas Jones conseguiu apanhar e ultrapassar Villeneuve, apesar da forte oposição do canadiano. Na prova final, em Watkins Glen, Villeneuve demonstrou a sua agilidade em pista molhada, ao primeiro andar nos treinos de sexta-feira a uns impressionantes nove segundos da concorência, e no dia da corrida, aproveitar os azares de Alan Jones, numa pista que estava instável em termos de meteorologia (primeiro molhado, mas depois começou a secar), para ganhar pela terceira vez naquele ano, em mais uma vitória convincente.

Esperava-se que em 1980, as coisas fossem relativamente iguais, mas na Ferrari sabia-se que o futuro eram os motores Turbo, e investiu-se fortemente n um motor V6, e o chassis 312T5 era a evolução do chassis vencedor. Mas nesse ano, o problema com as saias laterais agravou-se, e de máquina do pelotão da frente, passou para uma má máquina. A temporada de 1980 foi um deserto, com tudo de infernal. Villeneuve tentou, à sua maneira, combater as limitações deste carro, mas o melhor que conseguiu foram dois quintos lugares, no Mónaco e no Canadá.

Jody Scheckter resumiu o ano e o chassis da seguinte forma: “Foi um péssimo ano para a Ferrari, um dos piores. O carro comia borracha, tinha um péssimo efeito-solo. Onde todos ganharam velocidade nós perdemos. O que a Ferrari fez foi pegar no T4, que era um bom carro, e modificaram-lhe a frente num daqueles workshop em que tudo se baseia na teoria. Assim quando o carro ficou pronto constatamos que era muito pior que o antigo.”

Pelo meio, estreou o novo carro, o 126C, com motor Turbo, nos treinos do GP de Itália, que excepcionalmente ocorria no circuito de Imola. O carro portou-se regularmente, mas na corrida usaram o chassis antigo. E ainda bem, pois Villeneuve iria ser protagonista de mais um episódio da sua carreira. Mas este tendia mais para o milagre.

Na quinta volta da corrida, o pelotão aproximava-se na Curva Tosa, depois de andarem a fundo desde a recta da meta, passando por duas curvas a alta velocidade. Nessa segunda curva, Villeneuve sofre um furo a alta velocidade e bate forte no muro, ficando com o carro destruído. Combalido, mas não ferido, Villeneuve é transportado para o hospital, mas é libertado pouco depois. Durante algum tempo, Villeneuve sofre com insónias e fortes dores de cabeça, devido ao impacto, mas com o tempo, isso passa. No final da temporada, Scheckter decide retirar-se da competição e a Ferrari contrata o francês Didier Pironi para o seu lugar. No final da temporada, Villeneuve era apenas 12º classificado, com seis pontos. Um claro contraste com o que tinha acontecido um ano antes.

(amanhã, a última parte)

5 comentários:

Rafael Dias Santos disse...

Emocionante! Ja li alguns relatos da disputa Gilles-Arnoux, ja inclusive escrevi o meu de 3 formas diferentes, mas a riqueza de depoimentos esta admirável! Gilles foi um artista, ao menos quem n viveu essa epoca tem imagens de sua capacidade no youtube

Fábio Mota disse...

Speeder
Eu já procurei várias vezes e nunca encontrei nada. Gostaria de saber o porque do Gp da Itália de 1980 ter sido disputado em Ímola e não em Monza. Sabes porque???

Abraços

Unknown disse...

a disputa villeneuve-arnoux é legendária, mais só agora lendo o teu texto comprendo a intensidade do momento. sabia que a GPDA tinha achado ruim o episódio, mais não que eles tinham respondido de esse jeito

Speeder76 disse...

Fábio:

Aparentemente tem a ver com os acontecimentos de 1978, que resultaram na morte do Ronnie Peterson. Queriam fazer modificações no traçado, especialmente na zona da primeira chicane, mas parece que nada foi feito, pelo menos na altura, pois como sabes, Monza fica no meio de uma zona florestal protegida.

Portanto, em 1980 correram em Imola, mas no ano seguinte voltarm para Monza, e o outro circuito serviu para ser a segunda corrida em solo italiano, sob a capa de GP de San Marino.

Fábio Mota disse...

Valeu Speeder!!!
Eu sempre supus isso, mas não entendia pq de as obras(aparentemente) terem ocorrido somente em 80 e não no ano seguinte, o que justificaria a mudança de local da prova.

Parabéns pelo blog, é Sensacional!!!