quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Anatomia de uma sacanagem

Repararam na apresentação da Virgin ontem de manhã, e não viram Alvaro Parente no alinhamento dos pilotos para o novo VR-01? Suspeitava de algo, mas sem elementos, decidi omitir o facto até que aparecessem mais desenvolvimentos. Ao longo do dia, os temores aumentaram até que ao principio da noite, foi confirmado: o piloto português saira do alinhamento da nova equipa. A razão? O facto de o seu principal patrocinador, o Instituto de Turismo de Portugal (ITP), ter voltado com a palavra atrás num acordo verbal que tinha feito com o piloto e com a equipa de Richard Branson.

O valor era importante, creio que rondava os três milhões de euros. Mas após a sua apresentação, o contrato nunca foi assinado, devido ao facto do ITP não responder às suas chamadas para que o acordo formal fosse realizado. Pelo menos é o que o piloto falou, num comunicado à imprensa, divulgado esta noite:

"Fiquei hoje a saber que não sou mais piloto da Virgin Racing F1. Este facto vai ter consequências muito graves para o prosseguimento da minha carreira. Tenho o dever de informar todos os meus fãs, assim como todos os adeptos do desporto automóvel, sobre quais são as razões para este afastamento:

1. Fui apresentado pela Virgin Racing F1 como terceiro piloto da equipa. Tinha acertado um pacote de contrapartidas que considerei vantajosas - muitos testes de F1 em pista (inclusive em Portugal) e simulador, assim como a participação no Campeonato de GP2. Tinha também um contrato com opção para piloto principal na temporada de 2011. Na base da minha ligação à Virgin Racing F1 estava um acordo de parceria entre o Instituto de Turismo de Portugal (ITP) e o Grupo Virgin, negociado entre os meus representantes e estas duas entidades. Acontece que o Instituto de Turismo de Portugal decidiu - por razões que eu ou os meus representantes desconhecemos - não cumprir o acordo a que tinha chegado com a Virgin Racing F1. Tanto os meus representantes como a Virgin Racing tentaram repetidas vezes contactar o ITP, mas nunca obtiveram qualquer resposta oficial. Junto envio uma cronologia de factos que considero importantes neste processo:

2. Em Junho de 2009, eu e os meus representantes encetámos contactos com várias equipas de F1 para o meu ingresso nesta disciplina. Três foram as equipas que mostraram expressamente o seu interesse. O da Virgin Racing foi noticiado em Agosto.

3. Durante a prova de GP2 realizada no Autódromo Internacional do Algarve fomos abordados pelo ITP, instituição que se mostrou interessada, desde que a associação fosse com a equipa Virgin Racing F1.

4. A 30 de Setembro, os meus agentes reuniram-se com a Virgin Racing e o ITP. Os responsáveis desta última instituição reafirmaram o seu interesse em patrocinar a equipa de F1 - tendo inclusive aprovado em Conselho - e decidiram qual seria o valor da sua participação. A 4 e a 6 de Novembro voltaram todos a encontrar-se. Ficou então definido que o ITP seria Team Partner da equipa. Num desses dias, inclusivamente, estiveram ainda reunidos com o secretário de Estado do Desporto e a Virgin Racing F1.

5. Houve entretanto o acordo e lavrou-se um head of terms entre o ITP e a Virgin Racing - a ser assinado depois da apresentação - facto que me foi comunicado por esta última, e que levou a que eu assinasse os meus contratos com a equipa, e fizesse parte da apresentação mundial da Virgin Racing F1.

No dia seguinte, o ITP comunicou aos meus representantes que afinal não pretendia assinar o acordo que tinha negociado. Como é evidente ficámos todos perplexos. Nem queríamos acreditar que o ITP fosse faltar a um compromisso por si aceite e estabelecido. Desde aí não tivemos mais resposta.

Hoje, como é público, já não estive, com os meus colegas, na apresentação do carro.

Todo este processo prejudicou-me seriamente e comprometeu os meus projectos imediatos e futuros. Vou ter de recomeçar tudo, com a agravante de estar ligado - sem responsabilidade alguma - a um incumprimento de compromissos assumidos.

Tenho a certeza que irei superar mais este obstáculo. Como sempre.

Obrigado a todos pelo apoio que tenho recebido!

Um abraço do,

Álvaro Parente"

Claro, o ITP já largou um comunicado onde nega tudo e lava as mãos como Pôncio Pilatos. O seu porta-voz, José Pedro Santos, confirmou esta noite ao jornal Público que existiram "contactos durante o ano de 2009, mas as negociações nunca envolveram Álvaro Parente. A relação custo-benefício não era suficientemente atractiva para o Turismo de Portugal."

Em suma, é a mesma coisa que dizer "Sim, sim, f****** a carreira do miudo, mas a culpa é dele", e isso vai ser uma mancha para o futuro. Infelizmente não vai ser para a instituição, que continua no seu "business as usual"... Aliás, há uma grande polémica neste momento com o ITP, pois foram eles que convenceram a organização da Red Bull que mudassem a Air Race do porto para Lisboa. E aparentemente, ainda ninguém sabe com que dinheiro essa transferência vai ser paga, se vão ser eles, se vão ser as Câmaras Municipais de Lisboa e Oeiras, que claro, arriscam-se a gastar verbas extra para acolher a corrida este ano... se conseguirem chegar a acordo. Outra nebulosa que tarda a ser resolvida.

Não sei o que vocês pensam, mas que o ITP andou a fazer, na minha terra tem um nome: abuso de confiança. Quando uma entidade do Estado afirma que está interessado, e diz aos representantes do piloto que "sim, nás apoiamos" até ao final do ano, quando ele foi apresentado à imprensa mundial, e que só faltava assinar o acordo, mas eles nunca mais contactaram (reparem, nem sequer tiveram a dignidade de dizer "lamento, mas rompemos o acordo"), roça a táticas dignas do Terceiro Mundo. Ou de uma Républica das Bananas.

E a maior sacanagem disto tudo é que isto acontece em Fevereiro, quando por exemplo, boa parte dos lugares da GP2 estão preenchidos. Com o Alvaro "com uma mão na frente e outra atrás", uma nova temporada na GP2 nesta altura do campeonato anda pelos confins do milagre. Porque na Ocean Racing, a equipa do Tiago Monteiro, os lugares estão preenchidos com o suiço Fabian Leimer e o inglês Max Chilton, e a unica que poderia caber nas aspirações do piloto, a Racing Engineering, confirmou anteontem que contratou o alemão Christian Vietoris, vindo da Formula 3 Euroseries. Em suma, como Alvaro tem de começar tudo de novo, temo que hoje tenha terminado a sua carreira como piloto de monolugares. Bela putaria, hein?

Mas a lição fica para todos. Para ele, que já sabe que nunca mais irá confiar no Estado para patrocinar a sua carreira, e lutar mais uma vez para se pôr de pé e continuar a fazer o que mais gosta. E para os futuros pilotos e respectivos "managements", que se algum dia quiserem recorrer ao Estado, seja como último recurso. Porque não só sofre de uma doença incurável chamada "burocracia", como também arrisca a cometer o pior dos pecados: a traição.


Certo dia, o António Marinho Pinto, actual Bastonário da Ordem dos Advogados, e meu professor de Direito da Comunicação na Universidade de Coimbra, foi entrevistado pelo Ricardo Araujo Pereira, dos Gato Fedorento. E quando lhe pediu para definir o Estado da Justiça em Portugal numa só palavra, respondeu: "Fujam!" E quando se fasla da Justiça, pode-se falara também deste Estado. Já sabia que era burocrático e mau pagador. Mas agora sei que também não cumpre com a palavra dada. E como não havia acordo escrito, agarra-se nisto para se dar ao luxo de, provavelmente, mentir.

13 comentários:

Cezar Fittipaldi disse...

Paulo,

Assim como você eu também gostaria muito de ver o Parente ter uma oportunidade na Formula 1. Só que a história toda está mal contada, desde o princípio. A começar: 3 milhões de euros para ser um piloto de testes? O mundo enlouqueceu de vez. Ainda mais se for dinheiro do contribuinte, é um absurdo e um acinte. Não entro em detalhes em relação aos orgãos públicos de Portugal, porque não conheço. Sei que no Brasil são uma lástima, e o governo atual é um dos piores da história em falta de transparência. Mas acordo verbal? No século XXI? Será que não houve precipitação por parte do piloto em equipe em anunciar algo que estava apenas no campo das negociações?
Pontos a ponderar!

Ernesto Longhi disse...

Este "ITP" é estatal, governamental, algo do tipo?

Felipão disse...

sacanagem isso...

como tem pilantra nesse mundo... barbaridade...

Unknown disse...

Coisa chata, hein, meu bom?
Torço para o Alvaro arrumar um lugar para correr em 2010. Se não der na GP2, ele podia tentar a F-2. Não me parece uma pedida ruim, não.
O circo sabe do seu potencial..

abração

L-A. Pandini disse...

Speeder,

Se te serve de consolo, a situação da "Justiça" brasileira também não é nada boa. Lentidão, juízes suspeitos de corrupção, perseguição a delegados e juízes que contrariam interesses de grupos poderosos e um presidente do Supremo Tribunal Federal (sr. Gilmar Mendes) que fala, age e se comporta como líder da oposição ao atual governo. Mais ainda: este mesmo senhor e seus familiares têm ações extremamente suspeitas em sua região natal (Diamantino, no interior de Mato Grosso), inclusive com suspeitas de assassinatos encomendados.

Se quiser saber mais: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=2689

Abraços! (LAP)

Tohmé disse...

É uma pena mesmo.
Mas não acredito na ingenuidade dos agentes do Parente, em acertar um acordo "vebal". Coisa de amador, principalmente nesse mundinho sujo da F1.

Speeder76 disse...

A todos:

De facto, deve ter havido qualquer coisa que roça o amadorismo nesta coisa, principalmente por parte dos agentes do Alvaro, para aceitarem as garantias por parte do Instituto de Turismo de Portugal, que gere uma verba para divulgar a imagem do país lá fora.

Sendo um organismo governamental, gere com dinheiro público. Já tinha feito a mesma coisa em 2005, com o Tiago Monteiro, mas nessa altura o governo era outro, e os valores eram semelhantes.

Para os agentes do Parente terem avançado neste sentido, é porque devem ter recebido um sinal muito forte por parte do ITP, ou então cometeram o clássico erro de colocar o carro à frente dos bois. Se assim for, foi muito mau.

Mas isso não iliba o ITP, pelo contrário. O facto de não ter clarificado a situação em Setembro (talvez por estarem mais ocupados com as eleições...) inviabilizou que quer o piloto, quer o seu "management" partissem para uma "opção B" no seu devido tempo. E agora que a situação é revelada, em Fevereiro, é muito tarde para planear um 2010 com pés e cabeça. Temo que as coisas para este ano estejam sériamente comprometidas.

João Pedro Quesado disse...

O titulo está muito bem escolhido tendo em conta o que se passou. Primeiro dizem que vão fazer isto e depois já estâo incontactáveis. Eu só não me prolongo nem começo a mandar insultos porque este espaço é público, porque senão..... Este país está uma desgraça!

Unknown disse...

coisa feia! e não tou falando do buemi não tou falando do Buemi não; e sim da fala de seriedade do povo do ITP. mesmo que fosse ou não fosse util aos intereses de Portugal patrocinar um piloto de F1, boicotar o acordo quando já foram preenchidas todas as vagas é muito baixo.

falando de patrocinio, a Lotus tem entre os seus accionistas a Proton, de propiedade do governo Malaio; e todo o emprendimento de Lotus Racing tem por objetivo um programa chamado 1Malasya, com objetivos politicos. tomara e Deus queira e não seja outro exemplo de falta de seriedade, porque isso vai manchar o nome de uma equipe histórica

Ernesto Longhi disse...

Aqui no Brasil, na Stock, deu um problema parecido com Valdeno Britto. O governo do Estado da Paraíba PINTOU o carro do referido piloto e o patrocinou. Se eu fosse paraibano, ateava fogo na bandeira. Ora, um estado de um país de 3º mundo patrocinando um piloto presumivelmente rico, pois em qualquer lugar do mundo automobilismo não é para quelquer bolso, para queimar gasolina em autódromos de todo o país? Faça-me o favor, é ridículo. E mais ridiculo ainda seria um orgão estatal, de um país dito de 1º mundo, como esse tal de ITP aí dar 3 mi de Euros para um pilotinho de testes, face a montanha de dinheiro do Sr. Branson. Esse Alvaro Parente não tem nem vergonha disso. Deus do céu. Contagem regressiva para 12/12/2012.
Dai ao povo o que é do povo.
Em que o possível patrocínio para esse piloto seria interessante para o país Portugal? Essa é a pergunta a se fazer, não se o orgão não formalizou um acordo verbal. Acontece no ciclismo também, aquela equipe Astana (nome "também" da capital do Cazaquistão): porém há uma "sutil" diferença de valores monetários e dos benefícios que o incentivo ao ciclismo traz para o país; afasta os jovens das drogas e da criminalidade, pois mantém um centro de treinamento na capital (pois é viável manter bicicletas e não carros de corridas) e promove qualidade de vida. Já torrar gasolina com o dinheiro do povo e contribuir para o aquecimento global é forçar demais a barra.

Speeder76 disse...

Ernesto:

O problema não é ser organismo governamental ou não. O grande problema é as pessoas terem chegado a um acordo de principio e depois não mais responderam, compreeendes? Isso é péssimo em termos de negócio, independentemente da empresa ser pública ou privada. A isso se chama quebra de confiança.

Agora, se me perguntares que ele deveria ser apoiado por empresas privadas... claro. Gostaria imenso de ter as nossas empresas nacionais, bancos, companhias de telefones, etc... apoiassem no nosso piloto. Como eles perferem apoiar o futebol ou não podem dar o dinheiro pretendido, recorre-se ao Estado, como uma espécie de "ultimo recurso". Ninguém gosta, mas faz-se.

Agora, com esta história, quem mais irá confiar no Estado português? Ninguém.

Se quiseres ler a versão da Polaris Sport, a empresa de "management" do Alvaro, podes ler a entrevista que um amigo meu fez neste link:

http://16valvulas.wordpress.com/2010/02/04/polaris-sport-reage-em-exclusivo-ao-16-valvulas/

Ernesto Longhi disse...

Pois é, Paulo, quebra de confiança no Estado né?

Bem-vindo ao clube, e é lastimável que num país de 1º mundo isso também ocorra. Talvez excesso de zelo por parte do orgão, sei lá.

Obviamente quando postei o comentário anterior, inflamei-me ao extremo mas, como sou contribuinte (como qualquer um) e minha esposa é servidora pública, fico injuriado quando o dinheiro dos nossos impostos são "investidos" em futilidades.

Insisto: Em que o possível patrocínio para esse piloto seria interessante para o país Portugal? Essa é a pergunta a se fazer, não se o orgão não formalizou um acordo verbal.

É claro que entendo o lado, nesse caso, do povo português: Se não dá pra confiar no Governo, vamos confiar em quem? Meu Deus, com que olhos o mundo verá um Instituto estatal "deixar o dito pelo não dito?" Mas como aqui, no Brasil, estamos, infelizmente, habituados a esse tipo de atitude do Estado, não nos frustramos tanto.
Quando a Petrobras (estatal de combustíveis brasileira) patrocinava a Williams, ficava fulo, pois a gasolina do Brasil é a mais cara (e uma das mais podres) da América do Sul e o governo brasileiro se auto-intitula "auto-suficiente" em petróleo. (há, inclusive, um movimento para boicotar os postos de combustíveis do governo).

Um forte abraço, e desculpe algum destempero.

Priscilla Bar disse...

Caramba! P*ta sacanagem...E o Álvaro já disse algo sobre qual será seu plano estratégico para correr em 2010? Pq se bobiar nao encontra vaga em lugar nenhum esse ano...