quarta-feira, 14 de abril de 2010

A utilidade de correr em Xangai

A Formula 1 está na China, e os carros ainda não deram nenhuma volta no circuito de Xangai e já rebentou a polémica. Não tem a ver com nenhuma discussão entre a FOTA e a FIA, apesar da futura amnistia ao Flávio Briatore e Pat Symmonds, nem tem a ver desta vez com qualquer ilegalidade em qualquer carro do pelotão. Ou dito de outra forma, para além desses problemas, outro surgiu: o acesso dos pilotos e das equipas à Internet. E porquê? Ora, a China é uma ditadura comunista, cujo controlo da Internet é implacável.

E para piorar as coisas, o pelotão da Formula 1 chega a Xangai no meio da polémica entre o governo chinês e a Google, que farta das limitações do motor de busca americano no Império do Meio, decidiu redireccionar as suas pesquisas para a versão de Hong Kong, muito mais livre. De uma certa maneira, decidiram não pactuar mais com as regras de um mercado com 1100 milhões de habitantes.

E é por causa desse mercado de 1100 milhões que a Formula 1 está em Xangai. O circuito, desenhado por Hermann Tilke, está no calendário desde 2004, numa altura em que toda a gente com uma cabeça para fazer negócios tinha como ideia "partir para a China, rapidamente e em força", porque queriam ganhar dinheiro o mais facilmente possivel. Curioso é saber que no lado chinês, o representante do PC local que tratou de tudo foi mais tarde preso por corrupção...

Li que nesse contrato, o governo chinês paga todos os anos à FOM o equivalente a 40 milhões de dólares para manter Xangai no calendário. No entanto, nunca nas seis edições em que o GP da China esteve no calendário da Formula 1, as bancadas estiveram cheias de espectadores. Mesmo quando a corrida acontecia em Outubro, logo, poderia ser o decisor de qualquer título, os chineses, mesmo com bilhetes "oferecidos" pela organização, acorrerem em massa para ver bólides a fazer as curvas a alta velocidade. E em Xangai existiram episódios que ficaram na história do automobilismo neste ainda infante século XXI.

E hoje, mais uma vez, vejo através do Cadernos do Automobilismo, o blog do meu amigo Daniel Médici, que o contrato entre a FOM e o governo, assinado em 2004, ainda não foi renovado, e pelos lados de Pequim, não existe grande interesse. Pelo menos não nos mesmos termos que foi negociado da outra vez. O prejuízo é tal que as bancadas existentes nas Curvas 12 e 13 se transformaram num gigantesco painel publicitário.

É um claro contraste com o seu maior rival asiático, o Japão, onde nos tempos em que Ayrton Senna corria nas pistas, tinha um milhão e duzentos mil pedidos de bilhetes para Suzuka, que na altura só podia albergar 200 mil espectadores, os mesmo numero de espectadores que pode albergar em Xangai.

E o mais engraçado é que a Formula 1 aposta decisivamente na Ásia. Mesmo com os constantes rumores de cancelamento para este ano, vai haver uma corrida na Coreia do Sul, mesmo sendo num sítio que, como se diz na minha terra, é num "Cu de Judas", e em 2011, teremos um novo país no calendário: a India.

Mas nesse caso, pode haver esperanças, dado que existem uma equipa indiana e um piloto desse subcontinente, pelo menos em 2010. E no primeiro caso, está a transformar-se de uma equipa do fundo da tabela numa sólida equipa do meio do pelotão. Pode ser que haja esperança de encher os 300 mil lugares previstos no novo circuito que está a ser construido nos arredores de Nova Delhi.

Em resumo: ter a Formula 1 na China acarreta mais obstáculos e prejuízos do que qualquer outro sítio. Então, porquê correr nese sitio? A unica resposta que me ocorre é aquela que Geroge Mallory deu quando lhe perguntaram, quando quis subir o Monte Evereste, e que morreu a tentar alcançar esse objectivo: "Porque está lá".

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