segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Grand Prix (numero 71, dias de tempestade e bonança)

Os dias que se seguiram foram de tensão. Os jornais e as televisões falavam constantemente do braço de ferro entre os pilotos e as equipas contra o Automóvel clube alemão sobre as condições de segurança do circuito de Nurburgring. A FIA não queria intervir, e delegava a decisão para o presidente da Comission Sportive Internationale, o luxemburguês Armand Van Ghelder, que substituira seis anos antes o falecido Lord Curzon, decidira permanecer neutro, para não hostilizar os pilotos, nem ficar de lado de Julius Freiherr Von Spitzberg, o presidente da Automobile von Deutschland, uma das mais antigas associações do mundo, fundada em 1899 e reactivada em 1952. Desde então que Von Spitzberg era o seu director, e organizador do GP alemão.

A 19 de Julho, dois dias depois da decisão dos pilotos em boicotarem a corrida de Nurburgring, houve uma reunião da AvD na sua sede, convocada pelo prório presidente. Von Spitzberg achou que era uma medida grave e que isso implicaria consequências para as receitas futuras, caso fosse cancelado o GP da Alemanha. Ele somente tinha convocado uma reunião semelhante, quinze anos antes, por causa do acidente de Le Mans, que resultara na morte de oitenta pessoas quando o Mercedes de Pierre Levegh acidentara-se. Tinha sido aconselhado pela marca de Estugarda, do qual tinha sido colaborador na época dos Grand Prix nos anos 30, a cancelar o evento, algo no qual ele o fizera com alguma contrariedade.

Von Spitzberg sempre defendeu Nurburging, mesmo com as cresentes criticas de pilotos e demais observadores na imprensa. Alguns dos chefes de equipa também começavam a alinhar com os pilotos, especialmente depois dos sustos dos últimos anos. O último dos quais tinha acontecido em Maio, nos 1000 km deste ano, quando na partida, um Porsche 908 pilotado pelo austriaco Manfred Linzmayer se despistou na partida e desfez-se numa bola de fogo. Miraculosamente, o austriaco saiu dali ileso, porque não tinha apertado os cintos de segurança convenientemente e fora projectado para fora do carro, tendo apenas queimaduras superficiais. Isso, combinado com os acidentes na Formula 1, Le Mans e Formula 2, bem como o mau historial do circuito em si e os eventos de 1968, onde por milagre ninguém tinha morrido, apesar do terrivel tempo que se fazia nesse dia, fizeram com que os pilotos apresentassem aquele ultimato: ou Hockenheim ou nada.

Os membros do conselho da AvD queriam resolver a situação rapidamente, mas estavam expectantes sobre a opinião e decisão do seu presidente. Tinha os ouvido ao longo da reunião, mas depois, nada disse. E esse silêncio afligiu-os, pois isso significava uma de duas coisas: ou iria ser inflexivel, pois não queria ceder à pressão externa dos pilotos e alguns organizadores, ou estava indeciso, pois não queria hipotecar as receitas já previstas em Nurburgring.

Após alguns minutos que pareceram horas, olhou para o relógio e disse:

- Meus caros, tenho consciência do problema que temos á nossa frente. Estive a pensar bastante naquilo que vocês disseram ao longo desta reunião, e francamente, se decidisse por mim, não cederia à chantagem, pois trata-se de uma chantagem aquilo que ouvi da boca dos pilotos e alguns construtores. Mas sei que o cancelamento puro e simples do Grande Prémio da Alemanha significa um rombo enorme nos nossos cofres, que muito dificilmente conseguiriamos recuperar. Assim sendo, vou telefonar ao presidente da FIA sobre a possibilidade do adiamento da nossa corrida para o dia 9, por forma a termos tudo pronto em Hockenheim. Se sim, a corrida será disputada nesse dia.

Os restantes membros ouviram as suas declarações com atenção, até que um deles perguntou:

- Quando é que vai falar com ele?
- Logo a seguir a esta reunião. Pegarei no telefone, farei uma chamada para Paris e exponho a situação. Até posso dizer que para os austriacos é melhor, porque assim tem mais tempo para acabar o circuito deles.

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Poucos minutos depois dos restantes membros sairem da sala de reuniões, Von Spitzberg pegou no telefone e ligar para Paris. Na sede, disseram que Van Ghelder já tinha saído do seu gabinete e dirigia-se para casa. Assim sendo, logo a seguir telefonou para a casa dele e teve sorte: tinha acabado de chegar. Assim, ele começou a falar sobre a decisão que tomaram em relação ao GP da Alemanha, e que isso dependia da decisão da própria FIA de adiar a corrida em uma semana, para terem tempo de montar tudo que era necessário para receber máquinas e pilotos. Prevendo que a FIA dissesse o "sim", Von Spitzberg ordenou que fizessem os preparativos para a transferência, e que elaborassem um comunicado em que dissesse, entre outras coisas, que os bilhetes que as pessoas já tinham comprado, valiam para Hockenheim.

- Estou sim?
- Armand? Sou eu.
- Meu caro, bem haja! Como vai?
- Numa correria enorme, caro Armand.
- Acredito, acredito.
- Tenho noticias sobre o assunto em questão.
- Ah sim, qual é?
- Nós estamos dispostos a correr em Hockenheim. Mas precisamos que vocês nos deixem que ela aconteça uma semana mais tarde do que o habitual.
- Hmmm... estou disposto a fazer isso, mas tenho de reunir com os outros membros. E tenho de combinar com os austriacos, porque caso decida que sim, as duas corridas ficarão com uma semana de intervalo.
- Mas eles estão atrasados nas obras?
- Até que não... está tudo pronto. Não sei se vão aceder a isso, por causa do calendário que já devem ter organizado. Adiar a Formula 1 por uma semana... veremos. Se depender de mim, sim, eu faço isso. Ele vai estar cá amanhã.
- Em Paris?
- Sim.
- Então vou apanhar o primeiro avião da manhã para lá.

--- XXX ---

No inicio dessa terça-feira, o presidente da FIA convocou uma conferência de imprensa para o final da tarde no sentido falar sobre o assunto do GP da Alemanha. Por volta das quatro da tarde, três homens apareceram na sala de conferências do Palácio da Concórdia para anunciar a decisão tomada. Van Ghelder tomou a palavra e declarou:

- Meus senhores, irei ler a seguinte declaração:

"A FIA, em concordância com as organizações dos Automóveis Clube da Alemanha Ocidental e da Austria, decidiu que, em consonância com os receios dos pilotos sobre os mais recentes problemas de segurança, bem como os interesses das organizações das corridas acima referidas, reorganizar o calendário da Formula 1 para o mês de Agosto do ano corrente de 1970.

Assim sendo, o GP da Alemanha será adiado de 2 para 9 de Agosto, no circuito de Hockenheim, na zona de Mannenheim, enquanto que o novo GP da Austria, que estava marcado para o dia 16 de Agosto, no novo circuito de Zeltweg, será adiado para o dia 23 do mesmo mês, a fim de ser fiel ao calendário inicialmente elaborado.

Com este decisão, procuramos mostrar que somos sensíveis aos apelos dos pilotos relativamente à segurança. Nos últimos tempos temos tido acidentes graves, e entendemos que as coisas devem ser melhoradas no sentido de evitar novas perdas humanas, quer em termos de pilotos e espectadores.

Agora, tomamos medidas em relação aos circuitos, mas no futuro queremos fazer o mesmo em relação aos carros. Para isso, queremos reunir-mos com os pilotos, técnicos e construtores no sentido de apertarmos os regulamentos no sentido de tornar os nossos carros cada vez mais seguros, para que não aconteçam mais acidentes de consequências trágicas, que enlutaram o automobilismo nas últimas semanas.
"

- Meus senhores, muito obrigado. Estamos abertos as perguntas.
- Senhor presidente, vocês cederam perante a ameaça de boicote dos pilotos? perguntou um jornalista britânico.
- Meu caro, apenas fomos sensíveis aos problemas apresentados pelas autoridades competentes e mais nada.
- Há mais algum circuito ameaçado? É que no próximo ano haverão novos circuitos... perguntou um jornalista francês.
- Sobre isso, iremos decidir no final do ano, quando o novo calendário for aparesentado. Mas estamos abertos a todas as boas sugestões, venham onde venham. Muito obrigado, meus senhores, afirmou, antes de se retirar.

(continua)

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