segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Reflexões sobre pequenos episódios da actualidade automobilistica

Numa competição normal, de uma modalidade normal, o GP da Coreia já teria sido cancelado devido ao atraso nas obras. Mas as noticias dos constantes adiamentos da inspeção final da FIA, agora marcada para o dia 11 de Outubro, depois de inicialmente ter estado previsto para o dia de amanhã, indicam-nos que a FIA em geral, e Bernie Ecclestone em particular, querem esticar a corda o mais possível, mostrando que desejam esta corrida, pois faz parte de um plano de expansão da Formula 1 para a Ásia.

As últimas imagens mostram que as coisas no circuito de Yongnam estão em fase de acabamentos. Mas quando eles embarcarem (se embarcarem) nesse local, o ar de estaleiro não deixará de ser visível. E provavelmente os jornalistas, mecânicos e demais elementos da comitiva vão ter uma aventura para contar dentro de um mês, especialmente em termos hoteleiros, de estradas e outras coisas...

E quando leio estas noticias, fico espantado com este nível de tolerância para coisas como a Coreia do Sul. Esta "Formula Bernie", que admite circuitos como o de Istambul, que pode ser muito belo - é dos tilkódromos que mais gosto - mas que não atrai mais do que 25 mil pessoas no fim de semana turco, ou então deseja que se construam circuitos em paraísos petrolíferos, onde dinheiro não falta. Afinal de contas, de que outra forma é que permitira a inclusão no calendário do Bahrein, um país de 600 mil habitantes?

Cada vez mais a Formula 1 é um negócio, é certo. Tem as suas vantagens, que é o de atrair mais pessoas a este desporto. Um bom exemplo é o novo jogo da Formula 1, que provavelmente vai vender milhões e vai atrair mais rapazes a este desporto. Mas se for como nos jogos anteriores, provavelmente não serão grande coisa... É aí onde quero chegar. Os mais antigos, como eu, que vêm tudo isto a acontecer, começam a afirmar em surdina que a Formula 1 vendeu a sua alma, em troca de um fluxo quase infinito de dinheiro vindo de "novos ricos".

A ideia de mais circuitos asiáticos, com um objectivo declarado de mundializar o campeonato, poderá ter efeitos a longo prazo, provavelmente com pilotos vindos da China, Coreia e Médio Oriente. Mas tal coisa irá demorar, no mínimo, quinze a vinte anos. Não sei como será a Formula 1 nessa altura, provavelmente sem Bernie Ecclestone ou Flávio Briatore, mas estou convencido que vai ser cada vez mais semelhante aos hospitais: herméticos, esterilizados, com os pilotos a serem vistos à distância, e cada vez mais parecido com o "wrestling": toda a gente sabe que é a fingir, apesar de se magoarem a sério. Quando os nossos filhos virem as fotos de boxes mal arrumadas, tiradas 40 anos antes, ficarão espantados com o que era o automobilismo nesse tempo. E provavelmente irão repudiá-las.

Outra coisa no qual julgo ver uma espécie de "vender de alma" é o declinio da qualidade das transmissões televisivas. É certo que as pessoas sempre viram a Formula 1 para apoiar os seus pilotos e não o desporto em si. O nacionalismo esteve, está e estará lá, Mas... porque é que no Brasil ou em Espanha os canais de televisão têm à frente pessoas do calibre de um Galvão Bueno ou Antonio Lobato? Este fim de semana tive a oportunidade de ouvir ambos, e no caso deste último, não deixei de reparar no "ódio" que ganhou a Peter Sauber só porque este substituiu Pedro de la Rosa por Nick Heidfeld. Fico espantado por ver estes tipos, que em principio deveriam ter uma maior formação que um Martin Brundle, agora comentador da BBC. Simplesmente o ex-piloto da Tyrrell, Benetton e Ligier, entre outros, consegue ser muito melhor do que estes dois. Será um sinal dos tempos, que as televisões comerciais dão espaço ao disparate porque "o povo gosta" e comentem a torto e a direito, só para valer a velha máxima "falem mal de mim, mas falem"?

Em suma, esta série de pequenos episódios demonstram para onde caminha actualmente a Formula 1. É certo que o imobilismo anterior, eurocêntrico, tinha imensos defeitos, mas a construção de autódromos um pouco por todo o mundo, e a quantidade de novos circuitos, cujas vantagens podem ser óbvias para os automobilismos locais, caem por terra quando se descobre que todas elas são construídas pelo mesmo gabinete de arquitectos. A palavra "monopólio" é cada vez mais ouvida, e cada vez mais se vê até que ponto a Formula 1 está dependente da visão de um homem prestes a fazer 80 anos... será isso bom?

Reflectindo tudo isto numa altura em que se sabe que no próximo ano haverá uma renegociação do bolo dado às equipas por parte da FOM, que à partida fica com 50 por cento das receitas, faz-me pensar até que ponto é que todos navegam à vista. Se as negociações para um novo Pacto de Concórdia não levarem a lado nenhum, em 2011, e se por algum acaso nesse ano - desejem que isso não aconteça -, Bernie Ecclestone ficar doente ou incapacitado e não haver ninguém suficientemente forte para manter o rumo, este castelo pode ruir de um modo surpreendentemente rápido. E depois, como será?

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