sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Um dia fatal em Setembro e as devidas coincidências

"Infelizmente, o homem que pode contar exactamente o que se passou, está sempre morto"

Juan Manuel Fangio 1911-95

No Domingo, quando se soube da morte de Shoya Tomizawa, piloto da Moto2 na pista italiana de Misano, comentei com um amigo meu, o Mike Vlcek, que os circuitos italianos eram lugares pouco recomendáveis em Setembro. Certamente lembei nesse dia o acidente mortal de Jochen Rindt, que fazia precisamente 40 anos que tinha acontecido. Mas também sabia que dali a cinco dias, recordaria outra data negra do automobilismo, com as suas devidas coincidências, a 17 anos de diferença. Nesse dia 10 de Setembro, dois americanos foram campeões do mundo, vendo os seus companheiros de equipa - e principais rivais ao título - já mortos ou a morrer.

Phil Hill e Mario Andretti, cada um deles, têm garantidos os seus lugares na história do automobilismo americano e mundial. Venceram na Formula 1, em GT's e Turismos, em provas incontornáveis como Sebring e Daytona. Aquilo que Phil Hill conseguiu em Le Mans, tem Mario Andretti nas 500 Milhas de Indianápolis e na sua segunda carreira na USAC, depois CART. Andretti, um italo-americano que nasceu onde agora faz parte da Eslovénia, teve uma carreira enorme ao longo que quatro décadas, algo incomparável, pois parte dela foi realizada numa altura onde as mortes eram frequentes.

Hill e Andretti venceram em anos onde a sua equipa dominou completamente a temporada e os respectivos carros marcaram a história da Formula 1. O Tipo 156 "Squalo" tornou-se no primeiro carro da Scuderia com motor traseiro, na temporada de 1961, inaugurando a era dos motores de 1.5 litros, e no qual estava melhor preparado do que a concorrência. Dezassete anos depois, o Lotus 79 tornou-se no primeiro carro que incorporava totalmente o efeito-solo, um conceito que Colin Chapman, o patrão da Lotus, começou a desenvolver em 1976, após o fracasso do modelo 76.

Hill e Andretti tinham companheiros de equipa talentosos, rápidos e um pouco duros, ídolos de uma geração. Wolfgang von Trips e Ronnie Peterson tinham origens totalmente diversas, mas ambos tinham a paixão da velocidade. Von Trips, alemão, era o expoente máximo de uma Alemanha que recuperava dos escombros da II Guerra Mundial e que era um oásis em termos de pilotos, em contraste com a geração anterior, que nos deu nomes como Rudolf Caracciola, Hans Stuck, Bernd Rosemeyer e Hermann Lang, entre outros.

Já antes de Ronnie Peterson houve Jo Bonnier, uma lenda no seu tempo mais pela sua longa carreira do que propriamente pelos feitos em pista. Peterson mostrou toda a sua velocidade pura desde cedo na March, o que fez com que fosse para a Lotus em 1973 e no ano seguinte se tornasse no primeiro piloto da marca, após a saída do brasileiro Emerson Fittipaldi. Contudo, o fracasso do modelo 76 fez com que aos poucos se zangasse com Chapman e saisse da equipa no inicio de 1976. Depois de comprar um March e andar um ano na Tyrrell com o famoso modelo P34 de seis rodas, volta em 1978, mas tinha de aceitar ser o segundo piloto da marca.

Demonstrou que mantinha a sua rapidez, mas acatou as ordens de Chapman. Era amigo de Andretti e as coisas correram bem naquele ano. Mais velho e sábio, aceitou fazer parte da "mobilia", mas no final do ano tinha decidido mudar de ares, ao conversar com Teddy Mayer para ser piloto da McLaren, provavelmente num último ano como piloto. E ao contrario de von Trips, que lutou abertamente com Phil Hill pelo título, pois Enzo Ferrari não favoreceu ninguém, perferindo ver qual dos dois é que ficaria com o ceptro, Colin Chapman tinha decidido que Andretti merecia aquele título, pois trabalhara duro para desenvolver aquele carro, ao contrário de Peterson, que apesar de ter anos naquela casa, tinha aparecido na temporada de 1978 de "para-quedas".

Os acidentes daqueles 10 de Setembro estão largamente documentados. E numa derradeira coincidência, aconteceram na primeira volta. Em 1961 Von Trips era o poleman, mas atrasa-se na partida, e quando aproxima-se da Curva Parabolica, engata-se com o carro de um Jim Clark no seu inicio de carreira, no seu Lotus, para depois despistar-se e levar consigo mais catorze pessoas. Em 1978, Ronnie Peterson atrasa-se nos primeiros metros de uma partida confusa, onde um sistema novo de partida eletrónica tem um ensaio mal sucedido e piorou as coisas. Um toque aqui, outro toque ali, o McLaren de James Hunt toca no Arrows de Riccardo Patrese e Patrese encosta Peterson aos rails de protecção, acabando numa bola de chamas.

No livro "Como uma Bala", de A.J. Baime, conta-se que quando Phil Hill terminou a corrida, viu Carlo Chiti, o desenhador de motores da marca e lhe perguntou se tinha ganho o título e sobre o estado de Von Trips.

- E Von Trips? Está morto?
- Anda - disse, num ar solente - querem-te para a cerimónia de entrega de prémios.

Chiti, sem abrir a boca, leva Hill ao pódio para receber o título de vencedor e o respectivo campeonato. Há uma foto que exemplifica os sentimentos dessa tarde: Chiti, gordo e de óculos, está com um ar apressado, quase angustiado, arrastando Hill pelo braço. Dezassete anos depois, Mario Andretti disse que este tinha sido um dia injusto, pois aquilo que deveria ter sido o seu dia mais feliz da sua carreira, ficaria marcado pela morte de um dos seus amigos. Assim foi.

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