quinta-feira, 21 de outubro de 2010

The End: Bob Guccione (1930-2010)

Acho irónico ler esta noticia a poucos dias da chegada da versão portuguesa, confesso. Mas estas coisas não tem propriamente hora, não é? Pois... Bob Guccione, o homem que fundou a Penthouse como forma de alargar os horizontes e as fantasias dos homens na segunda parte do século XX, morreu ontem no Texas aos 79 anos, vitima de cancro no pulmão.

Guccione foi a par de Hugh Hefner e Larry Flynt os três homens que fundaram revistas para adultos e que mostraram muito mais do que meninas totalmente despidas. Playboy, Penthouse e Hustler foram nomes que, em diferentes graus de atrevimento, alargaram um pouco mais os horizontes nesse campo, em diferentes graus. A Playboy foi mais "softcore", enquanto que a Penthouse e a Hustler são mais hardocre, e esta última foi a que teve mais problemas, com diversos processos em tribunal e ataques contra o seu proprietário, relatados em 1998 no filme de Milos Forman "America vs Larry Flynt".

Robert Charles Joseph Edward Sabatini Guccione era um americano nascido em Brooklyn a 17 de Dezembro de 1930 e fundou a Penthouse... em Londres, local para onde tinha ido após casar com a sua segunda mulher, Muriel, depois de ter tentado a sua sorte como pintor em Paris. Começou a publicar em 1965, graças a um acaso: era caricaturista em várias revistas e mandava vários exemplares de velhas revistas através de um endereço postal quando viu o potencial. Pediu um empréstimo de 1700 dólares, publicou 120 mil exemplares e mandou para toda a parte. Foi um êxito, apesar de depois os Correios lhe terem mandado para casa uma multa de 264 libras por "enviar material indecente". Quatro anos depois fundava a versão americana, que pretendia competir (ou se perferirem, nivelar por baixo) com um mercado dominado pela Playboy, fundada 14 anos antes em Chicago por Hugh Hefner. A sua sexualidade era ainda mais explicita, e os seus artigos de fundo eram mais investigativos, de natureza escandalosa.

Guccione enriqueceu durante os anos 70, e procurou expandir o seu negócio. Publicou livros, criou produtos de merchandising e pôs nas bancas a “Viva”, uma revista de nus masculinos destinada a uma audiência feminina, a “Omni”, mais virada para os assuntos da ciência e da ficção científica e a “Longevity”, uma publicação sobre saúde. A sua aventura como produtor de Hollywood foi mais profícua... e mais controversa. O auge foi em 1979 com o filme "Caligula", onde se tentava recriar o ambiente de um dos mais controversos imperadores romanos de sempre, mas aparentemente foi longe demais, mesmo para os padrões hedonisticos desse tempo... contudo, foi um sucesso de bilheteira.

Guccione enriqueceu com o grupo Penthouse e tornou-se num famoso colecionador de arte, especialmente de arte impressionista. Chegou até a publicitar a decadente Hesketh, em 1976/77, algo que nunca a Playboy tinha feito. Um "one-off" que durou um ano, e mais tarde, em 1980, patrocinou a RAM, de John McDonald. Na década de 80, o seu império valia quatro mil milhões de dólares por ano, que o colocou na lista dos 400 homens mais ricos do mundo, com uma fortuna pessoal de 400 milhões de dólares. Chegou a ter uma casa de 30 divisões em Nova Iorque e uma impressionante colecção de arte que valia, em 2002, cerca de 60 milhões de euros.

Contudo, depois da prosperidade, veio a decadência. Sempre na tentativa de expandir o seu negócio, decidiu construir em 1980 um hotel/casino em Atlantic City, mas este nunca foi concluido e perdeu mais de 180 milhões de dólares. Um rombo do qual nunca recuperou totalmente. As vendas diminuiram ao longo dos anos com a competição da industria pornográfica e da Internet, com conteúdos por vezes gratuitos. Os prejuizos começaram a acumular-se e em 2003 o Grupo Penthouse declarou falência para se proteger dos credores. Guccione teve de vender a sua colecção de arte, mas até nesse aspecto, o azar perseguiu-o: o leilão aconteceu nos meses a seguir ao 11 de Setembro e rendeu-lhe apenas 19 milhões de dólares.

Guccione tinha um fisico bronzeado e musculado, com um temperamento volátil, mas o seu comportamento em público nada tinha a ver com a natureza das suas publicações: não fumava, não bebia, não tomava drogas e as suas festas não eram conhecidas pelas suas extravagâncias, ao contrário do que acontecia (e acontece) nas festas da Playboy...casou-se quatro vezes e teve cinco filhos. Um deles, Bob Jr. tentou seguir as pisadas do seu pai, com algum sucesso. Contudo, zangaram-se e cada um seguiu o seu caminho durante muito tempo até a uma reconciliação tardia.

Quanto ao seu comportamento, os colaboradores recordam-no como um chefe de temperamento errático, oscilando entre a simpatia e a frieza. "Um aglomerado de contradições, variando entre a lealdade e a superioridade", escreveu Patricia Bosworth em 2005, num artigo da “Vanity Fair”. Bosworth trabalhou para ele enquanto directora-executiva na revista “Viva” nos anos 70, antes desta fechar, em 1980.

A Penthouse ainda hoje se vende, com novos proprietários, mas a um décimo do seu auge, e muito longe da concorrência: 160 mil exemplares de média, contra os 1,6 milhões da Playboy, por exemplo. Guccione saiu de cena, mas não andou longe dela: no inicio de 2009 tentou comprar uma parte da Playboy, que estava à venda na Bolsa, por exemplo. Agora, pode-se dizer que a revista sobreviveu ao seu fundador, mas provavelmente o futuro não vai ser tão grandioso como a sua concorrência. Ars lunga, vita brevis.

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