sábado, 23 de abril de 2011

Grand Prix 1972: A escola de condução (I)

No final de 1970, sempre que na Africa do Sul se falava de Jackie Kruger, começava a ser cada vez menos para falar na filha de Pieter e na sobrinha de Henrik, mas sim para falar na menina de 21 anos que por direito próprio guiava carros como se fosse um homem, e praticamente tinha mandado a prudência aos ares. Uma verdadeira amazona nas corridas e fora delas.

Depois da morte dos pais, o negócio dos concessionários e das oficinas ficou nas mãos do seu tio, e a única coisa que queria era guiar carros, mesmo sabendo que tinha sido isso que os matou. Descobrira que correr estava no seu sangue e depois de tentar dar umas voltas num Ford Escort, descobriu que não só era boa naquilo que fazia, como também se sentia bem a mexer na graxa, graças aos sábios conselhos de Thomas Nel, que depois de a tentar persuadir o contrário, tinha sido convencido por parte dela. Sentindo que devia algo a ela, por ter sido o mecânico do seu pai, decidiu ajudá-la.

Nel também tinha gostado de Philipp de Villiers, o piloto mais velho do que ela e que muitos já o consideravam como a maior esperança “springbok” para conquistar o mundo. O facto de Jackie andar sempre com Phillip, quando começaram a fazer as suas incursões pela Europa, fez com que muitos pensassem que ela seria a namorada dele. Mesmo depois de ter dito que eram somente amigos, a especulação continuou durante meses a fio, falando até que eram o “casal do automobilismo”. Os mitos urbanos demoram muito a morrer...

Quanto Philipp e Thomas foram para a Europa para ajudarem na equipa de Pete Aaron, respectivamente como piloto e chefe dos mecânicos, Jackie queria segui-los, mas antes tinha assuntos para tratar. Queria vender a parte que tinha herdado ao seu tio, não tanto por desinteresse, mas mais para financiar a sua carreira automobilística na Grã-Bretanha, o país que tinha os campeonatos mais competitivos do mundo. O tio Henrik estava muito relutante, não só para comprar a parte dela, como também sabia que, ao comprar a parte do seu irmão, estava a financiar a carreira da sobrinha. Contudo, ela estava impaciente para partir e nem hesitou em vender um dos chassis da equipa, o Eagle com que De Villiers tinha ganho o campeonato, e com os perto de dez mil rands que tinha amealhado (cerca de seis mil libras), Jackie estava pronta para tentar a sua sorte na Europa.

O tio não quis comprar a parte, mas deu algum dinheiro, o equivalente a duas mil libras, julgando ele que ao final de um ano ela estaria em casa, ignorando durante uns tempos que tinha vendido o chassis. Quando depois soube do negócio, nada podia fazer, pois já era maior de idade e vacinada. E antes de colocar num avião da SAA para Londres, fez uma última coisa, mais emocional: vendeu a casa dos pais. Era um local onde tinha passado grandes momentos, mas pouco ou nada significava após o desaparecimento físico deles. Apenas levou na bagagem um retrato dos pais e um dos troféus que ele ganhou na sua carreira, bem como outro troféu ganho por ela. O resto colocou numa carrinha e entregou ao tio, à porta do concessionário.

Chegado a Londres, foi viver para a casa de Thomas. Este não se importou de a acolher, apesar de não gostar muito da sua obsessão automobilística. Mas reconhecia os genes do pai e como aos poucos aceitava a sua carreira, acolheu-a em casa, juntamente com Phillip, desde que aceitassem as suas regras, logo, dorimiriam em quartos separados. Eles não queriam outra coisa, mas Thomas achou por bem impor essa regra. Pouco depois, Jackie tentou a sua sorte numa escola de pilotagem. E a sua escolha não era uma qualquer: queria ser aluna da Scott-Brawn Racing School.

Jonathan Scott-Brown tinha já 50 anos quando decidiu abrir o dossier da inscrição inédita de Jackie Kruger. Doze anos antes, em 1959, estava numa cama de hospital de Berlim, quando decidiu que seria mais útil a ensinar técnicas de condução a aspirantes de pilotos a ser mais um nas estatísticas das mortes em competição, após ter apanhado o susto da sua vida ao volante do seu Cooper de Formula 1. No ano anterior, ao volante do seu Vanwall, lutou com Stirling Moss e Mike Hawthorn pelo titulo mundial, com uma vitória no Mónaco e em Marrocos. Em 1959, estava disposto a ser campeão na nova Cooper de motor traseiro, pois tinha começado bem na Argentina ao ser segundo classificado na corrida, atrás de Moss. Ganhou no Mónaco e em França, e estava na luta pelo título quando o pelotão chegou a Avus, em Berlim, em vez do habitual Nurburgring, depois de uma complicada edição onde o seu bom amigo Peter Collins ter morrido ao volante do seu Ferrari.

Jonathan deu o seu melhor num circuito adaptado a uma “Autobahn” com duas longas retas, entrecotado com duas curvas apertadas, uma delas em “releve”, mas quando travou para fazer a Curva Sul, os travões do seu carro falharam e ele foi cuspido para fora. As fraturas apenas o obrigaram a ficar no hospital durante um mês, mas o susto foi mais do que bastante para dar por concluída a sua carreira, dado que pouco depois, um bom amigo seu, o francês Jean Behra, morria a bordo do seu Porsche.

Assim, decidira fundar no ano seguinte uma escola de condução, onde os aspirantes a pilotos domavam as suas técnicas de condução em pista. Jonathan tinha visto pilotos do calibre de John O’Hara e Alexandre de Monforte, que tinha gostado deles, pois tinham sido os seus melhores alunos, nas classes de 1965 e 67, respectivamente, antes de fazerem carreira da Formula Ford até à Formula 1. Aliás, eles tinham sido o primeiro e o segundo dos seus ex-alunos a vencer uma corrida. E foi por causa dos sucessos desses seus ex-alunos que começou a receber pedidos de inscrição vindos da Grã-Bretanha e do estrangeiro.

E pela primeira vez na sua vida, tinha à sua frente o portfólio de uma mulher piloto. Jackie Kruger levara para ele um dossier completo, com resultados, recortes de jornal, cartas de recomendação e fotografias, para ver se era aceite na sua academia. Um lugar onde tinha apenas vinte vagas por ano, num curso que demorava um mês e que terminava sempre com uma série de três corridas, de vinte voltas cada uma, ao circuito de Brands Hatch, sede da escola. Jonathan lia o dossier bem-feito e completo, mas estava pouco crédulo pelo facto de alguém com cara da Twiggy ter capacidade de conduzir um carro com centena e meia de cavalos de potência.

Ao ler o dossier, viu que tinha uma carta de recomendação de Pete Aaron, bem como os seus contactos. Assim sendo, ligou para ele, no sentido de tirar quaisquer dúvidas:

- Pete Aaron?
- Diga.
- Jonathan Scott-Brown.
- Ahhh! Como andas?
- Bem, obrigado.
- Pete, vou-te ser direto: o que me podes falar da senhorita Kruger?
- É boa a conduzir, John.
- É capaz de lidar com máquinas poderosas?
- É sim. É filha de piloto, logo, sabe do que faz. E tem resultados que o provam.
- Sim, estou a ver... vitórias em Turismos, em bólidos como o Ford Escort. E um terceiro lugar na sua Classe nas Nove Horas de Kyalami, ao lado do Philipp de Villiers. O que me garante que não foi ele a guiar o tempo todo?
- Eu estive lá, e posso garantir que tal não aconteceu.
- Então, se lhe perguntar que merece o lugar na minha Academia, aprovaria?
- Certamente. Jonathan. Até acho bem que a coloque.
- Porquê?
- Pode ser que lhe ensine a domar a sua impetuosidade.
- Hmmm... sendo assim, agradeço pelo seu tempo concedido, Pete, e por ter esclarecido as minhas dúvidas.
- Obrigado eu. Qualquer dúvida, ligue-me a mim ou ao Thomas Nel, o meu mecânico-chefe. Foi mecânico do pai dela e conhece-a desde criança.

Scott-Brown colocou o auscultador no seu lugar e ainda hesitou um momento, antes de dar o selo de aprovação à sua candidatura. Afinal, de todos os que estavam por ali, era – por incrível que pareça - o que tinha o melhor palmarés. No final do dia, telefonou de novo para Pete Aaron para dizer que tinha aprovado a sua candidatura, e ele a noticiou. Como seria óbvio, Jackie pulou de alegria quando soube do evento.

(continua amanhã)

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