segunda-feira, 25 de abril de 2011

Grand Prix 1972: O homem de Ibaraki

Depois do abandono da Yomura, no final de 1968, o Japão desapareceu do panorama automobilístico, mas não do desporto motorizado, graças ao motociclismo e das marcas ali presentes como a Yamaha ou a Suzuki. Kogure era um tipico adolescente quando viu Pete Aaron vencer campeonatos para a marca, no final dos anos 60, e ficou apaixonado pelo automobilismo, especialmente depois de terem construído uma pista de karting perto da cidade de Ibaraki, local onde nascera e crescera. Para o seu pai, o automobilismo até poderia ser uma forma de convencer o seu filho a seguir o mesmo caminho do que ele, pois trabalhava como engenheiro na multinacional Hitachi. Meia dúzia de conversas com ele o convenceram que para ser um bom piloto, também tionha de ser um bom engenheiro.

Nos seus primeiros vinte e um anos de vida, Masahiro Kogure nunca tinha saído fora do Japão, e nos seis meses anteriores à sua saída, nem tinha saído fora da zona central do seu pais. O mais longe que tinha ido fora Tóquio, quando o seu pai quis ver os Jogos Olímpicos e ficou espantado com tal manifestação. Aluno aplicado, estudou engenharia automóvel e aprendeu a mexer num carro como ninguém. E praticava no carro em segunda mão que tinha comprado, um velho Buick deixado pelos G.I’s quando eles ocuparam o Japão, após a rendição do seu pais devido às bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki.

Quando se tornou suficientemente bom, passou a arranjar também o carro do seu pai, especialmente nos finais de semana. Isto é, quando não havia corridas de karts na pista perto de casa. Era frequentador assíduo e costumava arranjar um dos karts que existia, afinando e aumentando a potência dele. O proprietário ficou espantado com o engenho de Kogure que decidiu levar para uma prova em Suzuka, não muito longe dali, e era a pista natal da Yomura. Era uma prova do campeonato nacional e ele estava convencido que Kogure poderia bater todos os pilotos, muito mais velhos do que ele. Na altura tinha dezanove anos e todos o olharem com desprezo. A prova, dividida em duas baterias, acabou com Kogure a vencer uma e a subir ao pódio na segunda, espantando toda a gente, porque muitos deles já corriam em automóveis.

Hasemi-san, o proprietário do kartódromo, perguntou se não queria correr em sua representação no campeonato nacional. Ele ficou de pensar e perguntou o que ganharia em troca. Hasemi-san respondeu-lhe que caso vencesse o campeonato, iria arranjar um carro para competir nos Turismos locais. Kogure aceitou.

A época tinha-lhe corrido bem, e estava a vencer corrida após corrida. Mas a meio do ano, a bola de neve tinha-se tornado maior, graças ao seu pai. Certo dia, ele tinha sido chamado ao gabinete do presidente da sua empresa. Espantado, Kogure sénior foi ter com o patrão, que lhe perguntou.

- O pequeno Kogure é o seu filho?
- Sim, Koboyashi-san.
- Vi-o correr este domingo em Sugo. Parabéns pela vitória.
- Muito obrigado, é uma honra ter um filho que gosta do que faz. E sempre pode praticar aquilo que aprende nas aulas.
- Está a estudar?
- Sim, engenharia automóvel.
- Ahhh… vai seguir os passos do pai. Muito bem. Caro Kogure, gostariamos imenso de o apoiar.
- Como assim?
- Sabe, eu gosto de automóveis. Tenho pena de não nos metermos na industria automóvel, mas acho que onde estamos, temos-nos saído bem.
- Entendo isso, Koboyashi-san.
- Sendo assim, tenho uma proposta para ele. Caso ele ganhe o campeonato, gostaríamos de o patrocinar, pagando-lhe as despesas de onde ele queira prosseguir a sua carreira. Diga-lhe que… se quiser ir para a Europa, pode contar com o nosso apoio.
- Europa? Mas porquê?
- É o centro do mundo automobilístico. É ali que nós somos conhecidos. É muito bom esforçarmos para ser os melhores na nossa área, mas sem publicidade, não somos nada. Como não fazemos carros, fazemos um piloto.
- É muita responsabilidade a sua. Vou falar com o meu filho a respeito disso.
- Faça isso, Kogure-san. Aliás, até faço questão de o visitar em sua casa.
- Seria uma enorme honra o receber na minha humilde casa, Koboyashi-san.

Dois dias depois, o presidente da multinacional estava na casa de um dos engenheiros da sua companhia para falar com o seu filho. Quando lá chegou, o senhor Koboyashi curvou-se em sinal de admiração ao jovem rapaz de vinte anos, filho de Minoru e de Keiko, algo que os espantou profundamente. Ao ver tão alta figura a curvar-se respeitosamente perante o seu filho, disse:

- Caro Masahiro, o Japão precisa de si. Há muito tempo que desejo ver um piloto a lutar de igual para igual perante os melhores pilotos do mundo, para poder atrair as nossas marcas de volta ao automobilismo. Não venho dessa industria, mas pretendo apoiá-lo, pois acho que pela primeira vez em muito tempo, temos um piloto capaz disso, e a nossa empresa estaria disposta a apoiá-lo na sua carreira na Europa?
- Europa? Quanta honra, mas...
- O dinheiro não é problema, caro Masahiro. Queremos apoiá-lo em todos os aspetos, até à Formula 1, se for preciso. O japão precisa de modelos e cremos que você é o ideal para a nossa geração começar a gostar do automobilismo. Depois da retirada da Yomura, precisamos de referências, e você parece ser o ideal.
- Se for esse caso, então aceito a sua proposta, respondeu.

Algumas semanas depois, no kartódromo perto da sua casa, o seu conhecimento da pista e da máquina permite ganhar-lhe facilmente as corridas do fim de semana. E como ali disputava-se o título nacional, Kogure levou a melhor sobre Minoru Kohara e Shiniji Kakazu, os seus rivais. Depois disso, Kogure olhava para um futuro desconhecido e absolutamente diferente, num outro continente, numa lingua que não falava e no qual não tinha amigos com quem se relacionar. Iria ser dificil e duro, mas Kogure estava disposto a dar o seu melhor em tudo.

A sua dedicação era tal que em três meses já sabia falar um inglês básico, ainda antes de começar as aulas de inglês para estrangeiros, em Londres. Nos intervalos das aulas, metia-se no cinema para ver os filmes do momento, todos a falar em inglês, exceto certo dia em que, por engano, acabou a ver um filme do Louis de Funés. Diz que riu imenso, mas não entendeu nada do que estavam a dizer.

Tudo isto acontecera enquanto que esperava pelas aulas na escola de condução. Sabia que o dinheiro não era problema, mas tinha de guiar um desses carros de forma a não fazer feio numa competição que era absolutamente feroz, pelo menos nos palcos ingleses. E tinha de sobreviver a essa arena, de perferência no lugar mais alto do pódio.

(continua)