domingo, 11 de setembro de 2011

Extra-Campeonato: Dez anos depois

Ainda me lembro dessa terça-feira. Tal como em Nova Iorque, era um dia calmo, céu limpo, sem qualquer núvem no Céu. Mas ao contrário dos Estados Unidos, na Europa era hora do almoço. E eu estava em casa, a almoçar. E enquanto estava a fazer isso, assistia às peças que lá passavam. Vi coisas estapafúrdias, tipicas do verão, mas houve uma noticia que me chamou a atenção, que tinha sido de um vôo de um aparelho canadiano, que fazia a ligação Toronto-Lisboa, que tinha ficado sem motores e planara até nos Açores, conseguindo aterrar em segurança.

Tinha acabado de almoçar, ouvi e levantei-me para ir a outra sala, onde tinha o armário dos livros. De um deles tinha um livro do Guiness dos Recordes, pois conhecia a história do vôo sete da British Airways, que em 1982 tinha ficado sem motores por causa da cinza vulcânica, vinda de um vulcão na Indonésia. Procurava por esse acontecimento quando a minha mãe me chamou para ver uma coisa na televisão. Quando cheguei, vi, como toda a gente, que o século XXI tinha acabado de chegar.

Como toda a gente, fiquei incrédulo. Vi os aviões a embater nas torres e os apresentadores, incrédulos, a tentar improvisar no meio daquilo. Mas pouco depois de ver os dois aviões a embater em Nova Iorque... decidi sair de casa. Fui para a rádio onde tinha estado a trabalhar até uns meses antes (tinha saído porque decidira voltar para a Universidade), e lá fiquei o resto da tarde a ajudar o pessoal, enquanto que o mundo desmoronava à nossa volta, não só em Nova Iorque como no Pentágono. E isso enquanto surgiam as especulações, os rumores de novos aviões desviados, o espaço aéreo americano totalmente encerrado - algo inédito na história - e a queda dos prédios.

Vendo as coisas por este prisma, o dia 11 de setembro de 2001 foi inacreditável. Se quiserem, foi um vislumbre do fim do mundo, tal como conhecemos. E acreditem, aquela musica dos R.E.M andou na miha cabeça durante boa parte dessa tarde. E no final desse dia, depois de chegar a casa para jantar, fui ao escritório e reparei que tinha deixado o livro dos Recordes do Guiness, o tal que tinha pegado à hora do almoço, aberto na página onde estava quando a minha mãe me chamou. Numa terrivel coincidência, tinhe deixado aberto na página onde se mostravam as grandes catástrofes da História da Humanidade.

A semana que passou foi uma forte overdose sobre este dia, e alguns canais temáticos como o Discovery ou o National Geographic Channel, tinham avisado que aquele dia iria ser cheio de documentários sobre aquele dia. Desliguei a TV, pois estava tão farto de ver documentários sobre esse dia. Parecia que a cada numero redondo, cada ano significativo, toda a gente tem de fazer algo sobre esse dia, sob pena de ser considerado um "pária" ou algo assim.

Nos dez anos que se seguiram, recordo-me de muita coisa que teve a ver com as consequências desse dia. Lembro-me particularmente de 2003, quando estava na Universidade, naqueles dias pré-Segunda Guerra do Golfo, onde todos os professores por lá eram anti-guerra. Um em particular, que dava aulas sobre Estudos Europeus, fazia questão de dar a aula em hora e meia para passar a meia hora final a falar sobre todas as razões pelo qual os Estados Unidos iam para o Iraque. Nós sabíamos disso e concordávamos com ele, mas ele fazia questão de dar o seu ponto de vista. E dizia que aquilo era apenas o inicio de um novo Vietname para os americanos. Ele sabia, nós sabiamos, daquilo que iria acontecer e das suas consequências. E teve razão.

E no episódio da Cimeira dos Açores, nos dias antes dessa guerra, ficou-me na memória um "fait divers" com uma amiga minha nesse domingo à tarde, que me contou meses depois, numa dessas noites de copos na universidade: para que os vizinhos não a ouvissem, deixou a TV ligada num canal de noticias enquanto fazia amor com o namorado da altura. Não pude deixar de sorrir imanginando tal momento...

Tenho memórias mais vividas do 11-M, em Madrid, em 2004. Naquela quinta-feira, tinha amigas minhas a morar lá, nessa altura, tinha os meus amigos espanhois a jurar a pés juntos que era a ETA que tinha feito aquilo, enquanto que eu discutia com eles que a ETA não atacava civis, só policias e politicos, e a meio de uma aula, ter de atender o telefone de uma amiga minha, que chorava baba e ranho ao ver tantas pessoas sangradas, em estado grave ou moribundas. Tivera a sorte de estar a cinco minutos de Atocha quando as bombas explodiram. Digo "sorte" porque se estivesse por lá, poderia ter sido uma das vitimas.

E nos três dias seguintes, vi como uma "versão oficial" era desmoronada pelos fatos surgidos a público e como uma multidão indignada respondeu a aquilo que as pessoas afirmavam ser obra de um governo que mentira. E no dia seguinte, nas urnas, o povo decidira castigar esse governo, tirando-lhes o poder.

Tenho muitas mais pequenas historietas sobre os eventos que marcaram estes últimos dez anos, desde ter conhecido e feito amizade com uma das "pivots" que deu a noticia, até ao fato de ter tido como professor de rádio o Ricardo Alexandre, da RDP, um dos primeiros ocidentais a entrar em Kabul em 2001, imediatamente após a queda dos talibãs, e um dia antes do autocarro que o levara de Islamabad ter sido atacado pelo taliban e matado três jornalistas italianos e um fotojornalista espanhol.

Passaram-se dez anos. Os americanos tem um novo presidente, já mataram Osama Bin Laden, os americanos estão a sair do Iraque, sem glória e pensam sair do Afeganistão, e a mensagem da Al-Qaeda está muito mais fraca do que era dantes. Não só por causa da ação dos serviços secretos e das policias um pouco por todo o mundo, que tem conseguido desmantelar conspirações atrás de conspirações, mas porque "a rua árabe" já não os ouve. Aliás, este último ano está a demonstrar que, mais do que tudo, os árabes querem viver como nós: livres, felizes e prósperos.

E - ironia das ironias - o estopim dessa revolução foi um martírio. Foi um jovem tunisino, um vendedor de frutas que, frustrado com a vida - tinham-lhe tirado o seu carro porque não pagou um suborno - regou-se com gasolina e prgou fogo a ele mesmo. Fez isso porque detestava os americanos? Não. Porque detestava a sociedade ocidental? Nada! Apenas porque lhe tiraram o seu sustento. Mas como aconteceu a Gavrilo Princip quando premiu o gatilho naquele junho quente em Sarajevo, o gesto de Mohammed Bouazouzi foi apenas um grito de revolta contra uma injustiça. Mas ao contrário dos nacionalismos de 1914, este foi apenas um gesto desesperado de sobrevivência, contra um estado corrupto e nepótico, como existiam no Norte de Africa e no Médio Oriente há décadas, com a conivência, é certo, das democracias ocidentais, presas no medo de "ou os velhos ditadores corruptos ou vinte Irãos à porta de casa"...

Como diz a velha cantilena, é o povo quem mais ordena. Quem esperaria há um ano que em um mês dois velhos ditadores cairiam tão rapidamente? Quem esperaria ver um ditador como Muhammad Khadaffi, que estava na mesma cadeira há 41 anos, fora do poder sem estar morto? Foi o povo, sem lideres a guiá-los, apenas com as redes sociais para poderem espalhar as ideias "à velocidade da luz", neste mundo cada vez mais ligado, nesta aldeia cada vez mais global, que decidiu libertar-se dos seus opressores a uma velocidade espantosa. À velocidade que isto anda, não fiquem admirados se dentro de uns anos o Parlamento norueguês dê o Nobel da Paz ao Mark Zuckerberg...

Em jeito de conclusão, o mundo não é mais o mesmo. Mas não da maneira como o Ocidente temia, e não como Osama bin Laden sonhara. Contudo, o seu final continua em aberto. Como disse Winston Churchill quando soube da derrota nazi em Estalingrado: "Não é o fim, nem é o principio do fim. Mas talvez seja o fim do principio".

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