sábado, 3 de setembro de 2011

Peter Collins: o que foi e o que poderia ter sido


Quando andei a fazer a matéria sobre o Grande Prémio de Itália de 1956 e as circunstâncias pelos quais Juan Manuel Fangio conquistou o seu quarto título mundial, nesse ano ao serviço da Ferrari, fiquei algo surpreendido sobre como as ocisas mudaram em meio século, quase duas gerações.

Os regulamentos mudam, claro: hoje em dia, ninguém cede carros para outro piloto, e os pontos são partilhados entre si. Mas a história de Peter Collins é mais impressionante, pois não era ele que estava designado para substituir Juan Manuel Fangio: era Luigi Musso, que simplesmente recusou. Se a história regista um momento de Fair-Play, também regista um momento em que alguém desobedeceu às ordens de equipa.

Também se conta a razão porque Peter Collins, que sabendo da desistência de Fangio era virtual campeão, resolveu ceder o carro ao argentino, justificou tal gesto afirmando que "era demasiado cedo para ser campeão do mundo". Collins tinha 24 anos na altura - nascera a 6 de novembro de 1931 - afirmando que teria mais do que tempo para ser campeão. Na realidade, iria viver mais ano e meio, pois seria uma das vítimas do "Inferno Verde", ao morrer a 3 de agosto de 1958 no Nurburgring Nordschleife. Aliás, a sua morte foi uma das razões pelo qual Mike Hawthorn decidiu abandonar a competição no final desse ano, pois a sua relação era de uma forte amizade. Era o seu "mon ami, mate".

Caso Collins tivesse seguido em frente naquele dia e tivesse conseguido o campeonato, teria sido o mais novo de sempre, um recorde que nem Emerson Fittipaldi, nem Fernando Alonso teriam batido. Seria um recorde que teria durado 54 anos, até o ano passado, quando Sebastian Vettel ganhou o seu primeiro título mundial, pois então tinha 23 anos. Provavelmente nessa altura teríamos lembrado de Collins, o "campeão mais jovem de sempre" e piloto da Ferrari quer provavelmente teria derrotado Fangio. Mas fez aquilo que parecia ser o mais indicado. Pena que o Destino não lhe tenha dado uma nova oportunidade. A história do automobilismo regista que Fangio foi pentacampeão en quatro marcas: Alfa Romeo, Mercedes, Ferrari e Maserati.

Uma outra história sobre o que era a Ferrari nesses anos 50 e a rivalidade entre pilotos é a história contada por Fiamma Breschi. Alguém faz ideia quem é? Não? Era a namorada de Luigi Musso quando este morreu no GP de França de 1958. Quando lhe pediram para fazer parte de um documentário chamado "A Vida Secreta de Enzo Ferrari", contou o seguinte sobre Collins, Hawthorn - que em 1958 já fazia parte da Ferrari, em substituição de Fangio - e Musso. Ela não tinha grande consideração pelos pilotos britânicos e conta o seguinte:

"Os Ingleses (Hawthorn e Collins) tinham um acordo", começou por dizer. "Quem quer que ganhassem, iriam partilhar o prémio do vencedor a meio. Eram os dois contra o Luigi, pois não fazia parte do acordo. A união fazia a força, e estavam unidos contra ele. Mas este antagonismo favorecia a Ferrari, pois quanto mais rápido fossem, maiores eram as hipóteses de uma vitória de um Ferrari." Resultado: quando os pilotos chegaram ao GP de França de 1958, Musso estava endividado, devido ao seu vicio no jogo.

Essa normalmente era a corrida com o melhor prémio da temporada, e Musso queria ganhar a todo o custo. Era uma corrida simbólica: Juan Manuel Fangio iria retirar-se da competição, a ferrari estava na mó de cima, graças a pilotos como Musso, Hawthorn e Collins, e a presença de jovens esperanças como o americano Phil Hill. Musso sofreu o seu despiste mortal na oitava volta, numa corrida ganha por outro Ferrari o de Hawthorn. No final, Breschi foi ao hospital para ver o seu namorado, moribundo, e quando regressou ao hotel, já sabendo do seu destino, viu Collins e Hawthorn no pátio desse hotel, jogando futebol com uma lata vazia a fazer de bola.

"Odiava ambos" afirmou. "Primeiro porque tinha conhecimento de certos fatos que não eram os mais corretos, e depois, quando saí do hospital e regressei ao hotel, vi-os no pátio, rindo-se e jogando futebol com uma lata vazia. Quando ambos morreram, senti-me libertada, porque caso contrário iria ter pensamentos negativos para ambos. De uma certa forma, as suas mortes me deram uma espécie de paz interior", concluiu.

Bem vistas as coisas, eram o mundo em que viviam, há mais de cinquenta anos. Duas gerações, quase. Mas mesmo com as manifestações de "fair-play", também havia os seus lados negros, num tempo em que o erro era quase sempre fatal.

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