terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O quinto elemento

Desde há uns tempos para cá que, sempre que olho para a famosa fotografia dos quatro pilotos empoleirados no muro das boxes do Autódromo do Estoril, naquela tarde de sábado, 20 de setembro de 1986, quando alinhavam os quatro candidatos ao título daquele ano, sinto que não só aquela fotografia representa muito bem uma determinada época da Formula 1 que entou nas mentes de toda uma geração, mas também faz com que deixe de fora um quinto elemento que mereceria estar ali, caso as circunstâncias naquele ano fossem diferentes.

Digo isto porque acho que hoje em dia, fico com a sensação que ele é demsaiado subestimado por aquilo que foi em pista. Pela sua combatividade, pelo seu palmarés, porque foi campeão do mundo - por muito que afirmem que essas circunstâncias foram "acidentais", ele merece-o - até pela sua pose "viking", com o seu bigode, óculos de aviador e o cigarro na boca. Acho que hoje em dia, pouca gente conhece realmente bem Keijo Erik "Keke" Rosberg, para além de ser o pai de Nico Rosberg, piloto da Mercedes.

Fico com a sensação que pouca gente sabe que lutou para ter um carro competitivo, que correu em tudo que era carro no inicio da sua carreira: Formula Vê, Formula Atlantic - onde teve duelos incomparáveis com Gilles Villeneuve - e Formula 2. Foi a lutar contra carros totalmente diferentes que se moldou o seu caráter, pois sabia que a vitória era o seu passaporte para os mais altos vôos, especialmente o maior de todos: chegar à Formula 1.

Sobre estes tempos, ele dizia que se sentia "uma prostituta". E para se manter a forma, tomava comprimidos para se manter acordado. "Não era fácil ser genial aos domingos nessas condições, mas era tudo ou nada."

Há umas semanas, o Humberto Corradi escrevia sobre Keke Rosberg no seu blog: "Niki Lauda o menosprezava. Não o achava digno de tentar o título mundial. Sua imagem também não ajudava: o bigodão, o cigarro. Não havia nobreza. Era um operário no meio dos príncipes. Aproveitou a chance na Williams e foi campeão numa temporada bem conturbada onde nenhum piloto dominou o campeonato." Essa chance foi em 1982, mas quatro anos antes tinha tido outra chance para brilhar.

Tinha sido em Silverstone, numa prova extra-campeonato chamada BRDC International Trophy. Estas provas serviam para colocar carros de Formula 1 nas suas pistas em anos em que não recebiam o Grande Prémio da Grã-Bretanha. O equivalente da Brands Hatch era a Race of Champions. Nesse dia chovia a potes em Silverstone, a Rosberg corria num Theodore, uma máquina do final do pelotão - aliás, era um antigo chassis Wolf - e fez daquilo a prova da sua vida. Aguentou as pressões do Copersucar de Emerson Fittipaldi, que também estava a fazer uma grande corrida, e venceu. Foi mais do que suficiente para que o resto do pelotão ficar interessado neste tipo vindo de um país que nunca tinha colocado de forma permanente um piloto de formula 1, apesar de todos saberem nessa altura que eles eram bons nos ralis.

Mas na Formula 1 as coisas não mudaram muito. Theodore, ATS e uma Wolf em decadência, em 1979, foram as suas primeiras paragens. E de repente, em 1980, a Wolf é comprada pelos irmãos fittipaldi, que a fundem com a sua equipa e ficam com alguma da fina-flor do automobilismo: Rosberg, o engenheiro Harvey Postlethwaithe e um jovem recém-saído da universidade chamado Adrian Newey.

O finlandês não precisou de muito para suplantar o seu patrão-piloto. Um pódio na Argentina e mais dois pontos em Imola foram as primeiras demonstrações de rapidez, mas em 1981, a equipa estagnava e não conseguiu qualquer ponto. Mas a sua rapidez substitia, intacta, e foi assim que ele ficou com o lugar de Alan Jones na Williams, depois de testes em Paul Ricard. Encarou tudo como se fosse a corrida da sua vida, e conseguiu.

Depois veio o resto. A principio todos achavam uma surpresa, mas conseguiu um título que poderia ter caído em muitas mãos, mas as polémicas, politicas e tragédias daquela temporada de 1982, onde onze pilotos venceram em dezasseis provas, o mais regular e o que sobrevivesse aos acidentes, era campeão. Calhou a Rosberg, como poderia ter calhado a Didier Pironi, John Watson, Alain Prost. Mas tinha de calhar a alguém e foi ele.

Na pista mostrava-se: não tinha medo de atacar, defendia a sua posição como se da sua vida se tratasse, sempre de forma justa e leal. Estava sempre atento, qual ave de rapina, e pobres eram os que se distraiam com ele colado aos seus escapes, pois perdiam a posição num ápice. A sua Finlândia natal descobria-o, sabe-se lá como ou porquê, descobrindo que havia vida para além dos saltos dos Mil Lagos, de Markku Alen e Hannu Mikkola, de Timo Salonen e Henri Toivonen, e que também se podia andar de "maximum attack" nas pistas um pouco por todo o mundo, ombreando com os gigantes.

Não se pode definir os anos 80 sem Keke Rosberg, e a Formula 1 nunca será completa sem o piloto finlandês. Correu até aos 38 anos, em 1986, quando reparou que nunca poderia competir de igual para igual com Alain Prost. Não porque a equipa estava centrada no "Le Professeur", mas porque o seu nivel médio era superior ao nível médio de muita gente. Rosberg tinha os seus bons dias, mas era quando o carro colaborava. Se não fossem as suas sete desistências na temporada de 1985, ao volante do seu Williams-Honda, provavelmente teria tido muito mais do que os 40 pontos que alcançou no campeonato. Mas provavelmente deverá recordar melhor esse ano por outros motivos. Afinal, foi nesse ano que nasceu Nico.

Depois da Formula 1, continuou a correr. Foi para os Sport-Protótipos, com a Peugeot, e depois para o DTM. Correu até aos 45 anos, ao mesmo tempo que cuidava das carreiras de Jyrky Jarvi... perdão, J.J. Letho. Foi sugestão de Keijo para que Jyrky reduzisse o seu nome para duas iniciais, para ser mais "vendável" aos patrocinadores e também para poupar o trabalho dos comentadores quando tivessem de pronunciar o seu nome. E depois de Letho, ajudou outro nacional, Mika Hakkinen, a chegar à Formula 1 e ser bicampeão ao volante da McLaren. Uma McLaren dirigida por Ron Dennis, que sempre admirou os pilotos finlandeses.

Hoje em dia, cuida da sua equipa na DTM (onde um dos seus pilotos é o português Filipe Albuquerque) e de vez em quando vai ver como se porta o seu filho no mundo da Formula 1. Aparentemente, muitos continuam a desconfiar de Nico da mesma forma que muitos na geração anterior desconfiavam de Keke. Pode ser que Rosberg Jr. tenha alguma carta na manga...

Mas o que hoje quero dizer é que escrevi este post como forma de expressar a minha admiração pelo senhor Rosberg, o aniversariante de hoje, que chega ao 63º ano da sua vida. Mais gordo e mais velho, com o branco a substituir o louro, mas 25 anos apos o final da sua carreira na Formula 1, continuo a admirá-lo pelo seu estilo, pelo seu bigode e pela sua postura. Já não há muitos assim.

2 comentários:

Juan Castro disse...

Sou fã de carteirinha do Keke. Na minha opinião, ele é um Gilles Villeneuve que sobreviveu.

Não, minto, ele era melhor que Gilles. Fazia o mesmo número de loucuras e menos besteiras.

Unknown disse...

Keke era talento puro. Foi campeão com um aspirado em cima dos turbos. Velocíssimo, com uma habilidade fora do comum. Para ilustrar o que digo, deixo vocês com uma frase...

"Eu não consigo fazer o que ele faz (com um carro de corrida). O Keke tem um talento extraordinário!"

Ayrton Senna