segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Extra-Campeonato: Pinta a parede, versão Leiria

Hoje em dia, o "graffiti" é considerado arte. Pintar na parede, antes considerado ofensivo, tornou-se num simbolo, numa marca, numa demonstração do talento do artista, que faz das paredes telas, e os expõe perante o resto do mundo, numa exposição onde não se cobre bilhete. Em Portugal, essa tradição foi muito forte nos dois primeiros anos após 1974, quando o pais regressou à democracia, após um golpe de estado sem sangue, a 25 de abril. A esquerda e a extrema-esquerda, nomeadamente o PCTP-MRPP, pintou enormes murais nas paredes de Lisboa, tanto o mais que ganhou a alcunha de "Meninos Rabinos Pintando Paredes", pois muitos desses maoistas eram "gente-bem". O atual presidente da Comissão Europeia, como todos sabem, é um ex-maoista.

Hoje em dia, e na minha região, desde a primavera passada, está-se a assistir a algo misterioso: alguém - uma pessoa ou várias - está a deixar na parede pinturas de várias temáticas, em várias localidades de região, e na cidade em si. Começou com uma menina na parede do cemitério municipal dce Carvide, e depois, aos poucos, aproximou-se da cidade. Um homem apressado na estação de comboios de Monte Real, uns corvos nos pilares da auto-estrada, e de repente, uma referência ao Crime do Padre Amaro, com a Sé de Leiria à vista de todos. Um Artista anónimo, se podemos dizer.

Aproveitei esta última terça-feira de Carnaval para ir vê-las de perto, e tirar uns bonecos com o meu telemóvel. O mais antigo na cidade é o do Amaro e da pessoa com quem se apaixona. E curiosamente, de todos os que existem, é o unico que tem algo escrito, uma passagem do livro, escrito por Eça de Queirós em 1876, quando estava em Leiria como administrador local. "E o seu nome era Amaro Vieira".

Um pouco mais adiante - não deve chegar a 150, 200 metros - encontra-se outra gravura com a figura de Ernesto Korrodi, um suiço que se apaixonou por Leiria e entre outras coisas, renovou o castelo, em ruínas no inicio do século XX. Korrodi, nascido em 1889 e morto em 1944, fez várias coisas quer na cidade, quer nos arredores, e foi um dos arquitectos marcantes no inicio do século passado. E o Artista ainda teve a "nuance" de deixar uma moldura à volta do desenho, como se de um quadro se tratasse.

As personalidades locais não protestam por esta arte. Ninguém protesta por esta arte, bem pelo contrário, elogiam o bom gosto e o sentido histórico: “Qualquer pretexto é bom para trazer as pessoas e para verem os locais culturais da nossa cidade. É uma intervenção organizada, não é acidental. Isto é, de facto, um grande acontecimento cultural em Leiria”, opina Orlando Cardoso, professor de História - e meu antigo vizinho - que elaborou a Rota Queirosiana, no artigo que o jornal Público escreveu sobre este assunto.

A mais recente pintura deste Artista foi ao pé de minha casa, na Quinta da Alçada, que pintou o Castelo de Leiria. Achei engraçado tal pintura, apesar de parecer redundante. Mas a ideia está lá: demonstra sensibilidade cultural à região onde mora, significando que vive lá e nos quer fazer despertar as consciências neste aspecto. Para que nos tire um pouco na realidade quotidiana que nos absorve e nos faça olhar para o que está à nossa volta. Vejo o Castelo todos os dias, mas vou ser franco: já vai algum tempo desde a última vez que lá fui acima e contemplar a paisagem, que é bela. Apesar de ter lido "O Crime do Padre Amaro", já vai algum tempo desde que o peguei pela última vez.

Em suma, este Artista anónimo - e espero que o continue a ser por um bom tempo - faz-nos pensar. Parar por um pouco. Posamos perante os seus desenhos por natural curiosidade e pelo mistério que envolve este Artista, pelo inesperado do lugar, da hora e do local. Ao fim e ao cabo, conseguiu o que queria: chamar-nos a atenção e improvisar um roteiro cultural. E agora?

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