quinta-feira, 24 de maio de 2012

As mensagens e os tributos nos capacetes monegascos

"O meio é a mensagem". É uma velha frase que sempre ouvi nas minhas aulas de Jornalismo, quer quando andava no Liceu, quer depois, na Universidade. Foi dita pelo professor e investigador canadiano Marshall McLuhan, que viveu entre 1911 e 1980, que entre outras coisas, falou o conceito da "aldeia global", predizendo em mais de trinta anos o admirável mundo novo que vivemos agora, o da Internet, dos canais de televisão globais, das redes sociais, onde se comunica quase instantaneamente com alguém do outro lado do mundo.

E com esses meios, pode-se dizer o que quiser, especialmente as personalidades mais mediáticas. Para o bem e para o mal, usam estes meios para dizer o que pensam e fazer passar uma mensagem mais positiva das coisas, quando querem, e uma negativa, quando não querem. Desde há muito tempo, especialmente após a aparição dos capacetes integrais, em 1967, que os pilotos de automobilismo usam pinturas de guerra para se identificaram para o resto do mundo. Era a sua maneira de mostrarem a sua identidade, aquela marca que os tornava unicos, para dizer 'este sou eu e é assim que funciono'.

Nos dias de hoje, porém, os desenhos dos capacetes tornaram-se mais voláteis. Aprecebendo-se do poder dos meios de comunicação e da maneira como os desenhos dos capacetes são vistos por milhões um pouco por todo o mundo, os pilotos já não os mantêm imutáveis, como noutros tempos. Aproveitam as mudanças para mostrar que querem seguir em frente, que querem promover uma causa, que querem homenagear alguém. Fernando Alonso decidiu pintar o seu capacete de dourado, Sergio Perez colocou um herói popular no seu país, Jean-Eric Vergne e Kimi Raikkonen idolos do passado.

Alonso decidiu fazer o seu "one-off" para arrecadar dinheiro para a sua fundação, pois o capacete será leiloado após a corrida. A ideia da dita é a de ajudar na segurança rodoviária no seu país, o que é um propósito notável quantos os outros. 

Quando a Perez, a ideia é outra: é uma recordação da sua infância. O "Chavo del Ocho", ou o Programa do Chaves, como é conhecido no Brasil, foi um programa mexicano que correu entre 1971 e 1992, com Roberto Gomez Bolaños como protagonista. Chaves era um órfão que vivia numa casa dos arredores da Cidade do México, e havia outras personagens, com o Seu Madruga, que vive fugindo das cobranças da renda, os famosos 14 meses.

Bolaños, agora com 82 anos, está a lutar contra os males da velhice, mas ficou sentido com a homenagem que Perez, que neste momento transporta o nome do México aos quatro cantos do mundo, fez à sua personagem. "Que sigam os bons!" é o mote que o "Chavo" - ou Chaves - dizia e que Perez gravou no seu capacete.


(...) Os capítulos de “Chaves” têm uma capacidade incrível de sintetizar comportamentos e dinâmicas sociais latino-americanas. É uma comédia leve, acessível, feita a partir de uma vila pobre, que tem de lidar com o desemprego (seu Madruga), a expropriação de capital (os 14 meses de aluguel), uma convivência social nada pacífica. O protagonista é um órfão desamparado. 

Num mundo tão caótico, o problema narrativo surge, quase sempre, de uma travessura ou de um erro de comunicação. Este universo em que a lógica cartesiana simplesmente não explica (vide a luta que o professor Girafales trava para ensinar as crianças) nem sempre se resolve no final. Não há personagens bons ou maus, há apenas pessoas tentando encontrar espaço em um mundo precário. 

Já “Chapolin” é uma ideia genial por si só: uma espécie de herói tipicamente latino-americano, que nunca age no plano do necessário, mas no do possível. Sua presença pode ser, talvez, a garantia da solução do problema no final, mas não sem antes causar problemas ainda maiores no percurso.

(...) Mas é curioso pensar se Chapolin é mesmo o herói certo para correr em Mônaco. O circuito de rua é famoso por não perdoar erros, e o “polegar vermelho” os comete aos montes. Mais que a solução, ele é requisitado para trazer um índice de imponderabilidade à história. Um fator anárquico em meio à ordem do retiro de verão europeu. Pérez jamais venceria em Mônaco em um mundo justo e ordenado. (...)

A ideia da homenagem em si é louvável, mas a segunda mensagem, mais subentendida, é que num mundo tão imprevisivel como é este da Formula 1, e ainda mais num lugar não imperdoável como o Mónaco, que ele poderá ter a sua chance de brilhar, mas que não esperem dele o Super-Homem, que não o é. Mas ficaria feliz se ele conseguisse sair dali com um bom resultado. E claro, assim, conquistaria muitos corações.

As outras homenagens do dia são de alguém a dar o seu tributo a heróis das suas infâncias. Jean-Eric Vergne mostra neste fim de semana a sua homenagem e o seu apoio a outro Jean, Alesi de apelido, que neste final de semana decidiu sair do conforto da sua reforma e concretizar mais um dos seus sonhos automobilisticos, que é o de correr nas 500 Milhas de Indianápolis. Alesi tem 47 anos e uma reforma dourada, mas continua com fome de correr e vai fazê-lo, apesar do mau motor Lotus e de partir da 33ª e última posição, alcançada com muito suor, contra um bloco que toda a gente sabe estar demasiado fraco em relação à concorrência, e mais um sinal da megalomania de Dany Bahar que arruinou a reputação da marca fundada por Colin Chapman.

Vergne disse que Alesi estava presente no dia em que ele andou de karting pela primeira vez na sua vida, no kartódromo que pertencia ao seu pai. Muitos dizem que seguem determinado caminho devido à influência de alguém. E parece que Alesi, um ídolo para muitos dos que cresceram nos anos 90 - apesar de só ter vencido uma vez nos 201 Grandes Prémios que participou, entre 1989 e 2001 - influenciou muita gente. Que é uma personagem acarinhada pela sua personalidade, carisma e velocidade, lá isso é verdade. E que decidiu voltar aos monolugares com a idade em que Juan Manuel Fangio decidiu abandonar a competição, é outro feito.

Mas a homenagem de Vergne a Alesi encerra também outro tributo, este mais inconsciente: o desenho do piloto francês foi feito em 1986, para homenagear Elio de Angelis, piloto da Lotus entre 1980 e 1985, morto em testes no circuito de Paul Ricard, ao volante do seu Brabham. Em suma, Vergne esta a homenagear não um, mas dois pilotos. E a derradeira corrida de De Angelis foi precisamente no Mónaco...

Quanto a Kimi Raikkonen, não é uma novidade. Sempre admirou o estilo de James Hunt, um piloto que viveu entre 1947 e 1993, que ganhou fama de festeiro, mas altamente profissional, com um estilo sem papas na lingua, quer antes, como piloto, quer depois na sua segunda carreira como comentador. Numa altura em que a sua vida está a ser recriada em Technicolor por Hollywood, e quase 19 anos após o seu súbito desaparecimento, ver Raikkonen a andar com o capacete usado por alguém que simboliza o rebelde por excelência de uma categoria máxima do automobilismo, num lugar que é o pinaculo do corporativismo, do jet-set e das celebridades que passeiam no paddock só porque sim, é a sua mensagem para o mundo: de que está se marimbando - para não dizer asneiras - para isso tudo. O que lhe faz feliz é correr.

Nesse aspecto, tenho pena que tenha nascido na década errada do automobilismo. Se calhar também deve ser também a sua mensagem mais verdadeira da sua alma.   

1 comentário:

Ron Groo disse...

eu não sei, ainda refuto que a mensagem de Perez tenha algum fundo politico... Para mim é apenas afetividade mesmo.