quinta-feira, 4 de outubro de 2012

5ª Coluna: Do sonho de conduzir ao pesadelo de manter

Outro dia, quando ia a caminho de casa, dei comigo atrás de um carro da escola de condução, com um aluno e o seu respectivo instrutor dentro, guiando a uma velocidade bem baixa, mas adequada aos padrões. E dei por mim a pensar que no verão de 2012 passaram dezassete anos desde que tenho em mãos a carta de condução e respectiva permissão para guiar. E pensei no mundo que mudou de 1995 para cá.

Mal fiz dezoito anos, o meu primeiro objetivo era de ter uma carta de condução, mais até do que entrar na universidade. consegui ambas as coisas na altura, mas a primeira prioridade foi o de arranjar dinheiro para as lições de código e condução. Trabalhei part-time um jornal e num lar para deficientes, e juntei o suficiente para alcançar esse objetivo, dois dias depois do meu 19º aniversário.

Curiosamente, a parte mais fácil foi o de arranjar o carro. Herdei um do meu pai - que depois serviu para que fosse partilhado pelo meu irmão, o que me irritou na altura - e aí pude gozar aquilo que tinha como objetivo, quando decidi "tirar a carta". Não eram as miúdas, era a sensação de liberdade: guiar sem rumo, apreciando a paisagem, em velocidade moderada, sentir as sensações de condução. Um "road trip", que mesmo neste retângulo à beira-mar plantado, era possivel. E naqueles anos 90, onde a União Europeia nos canalizava milhares de milhões para construir autoestradas e outras obras públicas, símbolo de progresso, era irresistível.

Só que nessa altura, a gasolina era barata. Com 35 euros, podias encher o depósito, com dez, tinhas mais de meio depósito, suficiente para quinze dias fora da bomba de gasolina, dando voltas regulares à cidade. Em 2000, o preço do petróleo estava muito baixo e o peso disso na carteira era muito leve, e o diesel era quase ao preço da chuva, para não falar de do GPL, que tinha ouvido falar da primeira vez porque o meu pai, que na altura andava com um Audi A6, decidiu colocar no carro porque se queixava que encher o depósito do seu carro lhe custava quase 50 euros, devido ao "beberrão" motor de 1.8 litros, e lhe tinha reduzido o valor a menos de 20 euros, mas o depósito era pequeno. Menos de 300 km, creio eu.

Em poucos anos, tudo mudou. O sonho virou pesadelo. O preço da gasolina aumentou quase 80 cêntimos em dez anos, de menos de um euro para os atuais 1.70 euros por litro. E as pessoas, que antes andavam com o depósito cheio ou meio depósito, agora, metem o suficiente para o colocar a funcionar. Por mês, as pessoas por aqui metem em média 90 euros para encher depósitos e fazer mover os seus carros, e as viagens longas são muito menos. Para um país depauperado como este, e como muitos outros espalhados pela Europa, totalmente dependentes do petróleo, deixar 90 euros de lado quando se ganha em média 800 - isto, se ainda tiver emprego - é muito duro para qualquer carteira. 

E não é só a gasolina que dá dor de cabeça ao dono de automóvel. Os seguros para pagar, que são na ordem de 200 ou 300 euros por ano, se for um bom condutor - mais caro se teve um acidente há pouco tempo - bem como a conta da oficina, quando se trata de fazer as coisas mais básicas, como a mudança de óleo, faz com que para uma pessoa, manter um automóvel se tenha tornado um fardo. E as consequências encontram-se por aí: as vendas de automóveis novos em 2012 são metade dos que se vendia antes, os carros usados, só se valerem até cinco mil euros, são os que têm ias saída, e quando não se vendem, ficam simplesmente abandonados. É frequente ver-se nas cidades portuguesas - e provavelmente noutros sítios - carros a caírem de podre, porque os seus donos não tem dinheiro para o manter.

E são também cada vez mais frequentes os casos de condutores multados porque circulam sem o seguro do automóvel, acompanhado do respectivo selo. Em suma, o automóvel virou algo do qual ninguém quer ter, porque não há dinheiro para o manter. Ironicamente, as pessoas andam hoje em dia cada vez mais nos transportes públicos (metro, comboio, autocarro...) e abandonam o automóvel não é devido motivos ambientais, mas sim pelos motivos económicos. 

E isso passa-se um pouco por toda a Europa, o continente onde se paga a gasolina mais cara do mundo. Ironicamente, o país que tem a gasolina mais cara é a Noruega, produtora de petróleo, com 2.10 euros por litro, mas mesmo aí, as pessoas suportam sem problemas, porque a média salarial anda pelos cinco mil euros. Algo que os nórdicos são capazes de suportar e é absolutamente o contrário de outros países produtores, como no Golfo Pérsico ou na Venezuela, onde encher o depósito é mais barato do que comprar um garrafão de cinco litros de água.

De uma certa maneira, eu tenho que acreditar e defender que o futuro do automóvel está na tecnologia dos veículos elétricos ou nas energias renováveis. Mais do que defender a natureza, inverter o quadro das mudanças climáticas ou outra coisa qualquer, no dia em que as marcas comercializarem uma bateria elétrica que tenha um alcance igual ou superior à autonomia de um carro - acreditem, estamos a menos de dez anos disso - e carregar essa bateria em pooco tempo e custar muito pouco, aí direi que recupero a minha vontade de guiar. Não quero saber do barulho que faz ou deixa de fazer, apenas quero voltar à estrada e guiar sem direção, sem importar com a minha carteira.  

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