quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Da rebeldia ao profissionalismo

Quem costuma ir ao Arquivo Cahier, como eu, há uma parte do arquivo onde se classifica as décadas onde a familia de fotógrafos franceses (pai Bernard, filho Paul-Henri) trabalhou na formula 1. Quando tudo começa, nos anos 50, classifica-se como "Gentleman Drivers", e quando chegamos aos nossos dias, esta é classificada como "Professional Athletes" (atletas profissionais). Foi um longo caminho até lá e a Formula 1, como o automobilismo, o desporto e a vida em geral, levou uma grande volta. Coisas como os patrocínios, a tecnologia e o escrutinio da imprensa e das televisões, fizeram muito para elaborar essa modificação.

Hoje em dia, alguns de nós suspiram por esses tempos que não voltam mais. E um dos factores do qual alguns suspiram por esse tempo era a rebeldia associada a certos pilotos. A jornalista Kate Walker escreveu esta terça-feira no site da americana ESPN sobre os "playboys" de hoje. E viu que o lema que James Hunt certo dia cozeu no seu macacão "Sex, the Breakfast of Champions", não existe mais, e o tempo em que, entre outras coisas, os pilotos de Formula 1 fumavam calmamente no paddock, já desapareceram de vez.

Sob o título "No sex please, we're racing drivers" (Sexo não, somos pilotos), fala-se que os tempos rebeldes dos anos 70 estão há muito enterrados, sob uma camada de ultra-profissionalismo, relações públicas e enormes doses de exercício físico. Actividades extra-curriculares nos fins de semana de Grande Prémio só se for depois da corrida, nunca antes, como Hunt fazia muitas vezes, algumas delas viraram livro e irão virar filme.

Claro, há de vez em quando algo que se aproxima. As atividades extra-curriculares de Lewis Hamilton, são o melhor exemplo, primeiro com o namoro atribulado com a mediática Nicole Scherzinger, a "pussycat doll", e também com um pequeno escândalo, que aconteceu no inicio do verão, em Londres, onde Hamilton foi visto a sair de uma casa com dez mulheres lá dentro, poderiam rivalizar com algumas loucuras de Hunt, mas esta nova geração é demasiadamente bem comportada. Mesmo as bebedeiras de Kimi Raikkonen, no inicio da sua carreira, foram substituídas pela famosa cena do gelado, na Malásia, em 2009, quando aquela corrida foi interrompida devido a um enorme aguaceiro.

A profissão de piloto de Formula 1 é certamente das mais glamourizadas da atualidade. Mas os "rebeldes" desapareceram há muito, submetidos às exigências de uma profissão que têm imensos patrocinadores, do qual os pilotos tem uma segunda agenda, para além daquela em que pilotam carros de 800 cavalos: sorrir em eventos promocionais, elaborados pelos patrocinadores, onde falam dos aspectos técnicos dos carros, e também - se puderem - dos aspectos positivos da bebida energética, ou do banco, ou da marca de carros que a equipa apoia.

Kimi Raikkonen é uma excepção, mas não tanto: também faz publicidade a um produto de cabelo. Mas fazer um é o seu limite, muito longe da "agenda paralela" que a McLaren costuma ter, imprimida nos tempos de Ron Dennis e do qual o finlandês fugia como o Diabo da cruz.

Há um aspecto da entrevista que vale a pena salientar as diferenças entre o ontem e o agora. É uma conversa entre o reportér e os pilotos da McLaren, Jenson Button e Lewis Hamilton sobre este asssunto:

"Para ser honesto, nunca pensei nisso [ser um simbolo sexual]. Os nossos fãs tratam-nos como pilotos porque é isso que nós somos. Nós estamos aqui para correr e é isso que fazemos e aquelas pessoas que estão sentados nas bancadas, por vezes à chuva, querem ver-nos correr e não em cuecas", disse Button.

- "Então não tem fãs a atirarem cuecas (calcinhas) para ti, estilo Tom Jones?"
- "Ainda não", respondeu Button. "Até agora não, neste fim de semana!"
- Isso seria fantástico" intrometeu-se Lewis Hamilton.
- "Eu não iria querer as cuecas do Tom Jones", reagiu Button. "Tu irias?"

"Quando vais ter com os fãs, descobres que eram como nós quando éramos jovens", justificou Hamilton. "Vêm os Grandes Prémios e se inspiram por verem aquelas pessoas que andam por ali, trabalhando o tempo todo, tentando superar-se e passando momentos bons e maus. Portanto, quando estamos com os fãs, a grande maioria deles dizem algo como 'vocês preenchem o meu domingo' ou algo do género".

Essa é a atitude que se vê hoje em dia. E essa atitude de pilotos profissionais surgiu, curiosamente, quase ao mesmo tempo que Hunt corria na Formula 1. Primeiro Jackie Stewart, na parte dos patrocínios e na atitude perante a imprensa, depois Niki Lauda, na preparação do carro e na negociação com as equipas - foi o primeiro piloto a ganhar um milhão de dólares por ano - e por fim, Ayrton Senna, quando decidiu contratar em meados de 1984, um preparador físico, Nuno Cobra, para o colocar em forma antes dos Grandes Prémios. E um pouco antes, em 1982, Riccardo Paletti surpreendia o pelotão quando ia acompanhado de um médico e de um nutricionista para o monitorizar a sua preparação na Formula 1.

Isso tudo numa época em que alguns pilotos fumavam nas boxes: Francois Cevért, Patrick Depiller, Keke Rosberg, James Hunt foram quatro exemplos. Provavelmente, o último piloto que fumava no paddock terá sido o italiano Alessandro Nannini, e a ser verdade, isso significa que tal coisa já leva mais de 20 anos.

Assim sendo, hoje em dia, os pilotos não podem cometer as loucuras do antigamente. As suas agendas não permitem, os seus fãs não deixam e por fim, a imprensa de mexericos não os largariam. E isso se pode ver com Lewis Hamilton e a sua "pussycat doll". 

1 comentário:

Traços de Literatura disse...

Um amigo dizia: "sou do tempo em que o seguro era segura e as corridas perigosas..." Parabéns pelo trabalho!