terça-feira, 1 de abril de 2014

Michael Schumacher, três meses depois

Este sábado passaram-se, como sabem, três meses desde que Michael Schumacher sofreu o seu acidente de ski na estação francesa de Méribel. E se muitos ainda esperam que o ex-piloto de 45 anos faça uma recuperação dita "milagrosa", já muitos começam a acreditar de que as sequelas do seu acidente foram realmente graves. Mesmo que haja um "muro de silêncio" e que Sabine Kehm, a porta-voz da familia, se dedique a desmentir os rumores que surgem de vez em quando na imprensa um pouco por todo o mundo, o tempo está a encarregar de contar aquilo que é sussurado nos corredores. 

E a noticia desta sábado que passou de que a família poderá ter gasto cerca de 12 milhões de euros para modificar a sua casa no sentido de ser uma clinica de topo de gama para poder receber e cuidar do ex-piloto, sete vezes campeão mundial e recordista de vitórias, com 91 Grandes Prémios no lugar mais alto do pódio, poderá ser indicação de que irá demorar imenso tempo - ou poderá até nunca mais acordar - de sair do seu estado comatoso. O que poderá significar que, de facto, o seu cérebro ficou gravemente afetado com o seu acidente na estância de ski de Meribel, nos Alpes Franceses.

Contudo, este post é essencialmente educativo. Educativo no sentido de compreender a complexidade que estas lesões cerebrais causam, e porque é que pacientes como estes quase sempre não recuperam de traumas graves como a que ele teve. E quando acordam - se é que acordam completamente - as sequelas serão grandes, quase de forma a dizer que a pessoa que conhecemos antes não volta mais. A hipótese de ficar em coma permanente, como aconteceu recentemente com o ex-primeiro ministro israelita Ariel Sharon (do inicio de 2006 até ao inicio de 2014), apesar de todos os médicos dizerem que "cada caso é um caso", é bem real.

Para isso, nada melhor do que ler e ouvir os especialistas. Primeiro, recorro ao blog do Dr. Gary Hartstein, onde recentemente escreveu as definições sobre os diferentes estados que passam os pacientes que sofreram traumatismos cerebrais graves. Ele fala de cinco estados - podem ler o original por aqui - mas para o caso em questão, escolhi os três mais importantes: morte cerebral, coma e estado vegetativo permanente, que muito provavelmente será o estado em que o ex-piloto alemão já passou ou poderá passar: 

Morte Cerebral: Um paciente com morte cerebral está morto. Há uma cessação objetiva, demonstrável e irreversível de toda a função cerebral. Quando você usa uma arteriografia (raios-x especiais que mostram as artérias e o fluxo em si) no sentido de olhar para o fluxo de sangue que corre de e para o cérebro, você vê que não há QUALQUER FLUXO DE SANGUE dentro da caixa craniana. Não há reação a qualquer estímulo, exceto para os reflexos simples (pois são provenientes da coluna vertebral), e o paciente não respira espontaneamente, mesmo quando os níveis de dióxido de carbono são elevados. Não há células cerebrais ativas no crânio. Nenhum. De tudo. As famílias não têm de aprovar a desconexão destes pacientes [às máquinas], porque eles na realidade não são mais pacientes, eles são... mortos. Estes pacientes tornam-se, em certas circunstâncias bem definidas, doadores de órgãos. Como o cérebro é necessário para que o corpo possa sobreviver de forma satisfatoria, os corações dos doentes com morte cerebral não irão continuar ativos por mais do que alguns dias ou semanas (existem casos documentados de maior persistência circulatória, mas são é infimamente raros), apesar do tratamento ser mais agressivo possível.

Coma: [O estado de] coma é definido como um estado em que o paciente apresenta nem desperto nem consciente. Assim sendo, o paciente em coma fechou os olhos, não mostra evidências de um ciclo "Dormir/Acordar" e mostra absolutamente nenhum sinal de consciência (ou interação com) o ambiente ou ele/ela mesma. Mesmo estímulos dolorosos não causam uma interação significativa. Dependendo das áreas [cerebrais] que foram afetados, esses pacientes podem ou não respirar por conta própria. Dito isto, eles vão essencialmente sempre serem entubados e traqueostomizados, para evitar episódios de obstrução das vias aéreas causada pelo facto do cérebro ser incapaz de coordenar os músculos da língua, da faringe e da laringe. Eles são inicialmente alimentados por um tubo passado através do nariz para o estômago e, posteriormente, (como é, sem dúvida, no caso de Michael) de um tubo colocado diretamente dentro do estômago ou do intestino delgado através da parede abdominal. Geralmente um coma é definido como persistente quando dura mais de dois meses após o acontecimento. Eu assumo que este deve ser o a condição atual de Michael.

Considerando que a morte cerebral é inevitavelmente seguida de morte circulatória num espaço de dias a semanas, os pacientes em estado de coma persistente têm algum funcionamento cerebral, especialmente em áreas associadas com a manutenção da estabilidade fisiológica (temperatura corporal, pressão arterial, volume de água, etc). Isto significa que a esperança de vida de um paciente em coma do qual não terá melhoras neurologicamente pode ser medida desde alguns meses até alguns anos. Mais uma vez, o cérebro é necessário para que o corpo integre as atividades necessárias para um tempo de vida dito normal.

Estado vegetativo persistente: aqui temos de distinguir duas coisas que quase sempre andam juntos: vigília e de conscientização. Pacientes num persistente estado vegetativo mostram sinais de "vigília", onde eles têm períodos de abertura espontânea dos olhos, e até pode mostrar sinais que se assemelham aos ciclos sono-vigília. No entanto, eles fazem isso sem o saberem. Não existe qualquer sinal de auto-consciência (incluindo respostas à dor, para além de respostas reflexas, sensação de sede, etc) ou do meio ambiente à sua volta. Esses pacientes muitas vezes respiram por si.

Um estado vegetativo é definido como persistente quando passam cerca de dois meses após o acontecimento dito desencadeador. Como já foi mencionado anteriormente, quanto mais tempo a pessoa permanece em estado vegetativo, menor a probabilidade de acordar, e são maiores as chances de sequelas graves se o paciente conseguir sair desse estado. A maioria das definições médicas considera que um ano após a lesão, o estado vegetativo passa a ser permanente.

Os pacientes que estão em estado vegetativo persistente ou permanente têm uma expectativa de vida que poderá ser medida entre alguns meses a alguns anos. Isso depende da função da linha de base (que é extraordinária no caso de Michael, é claro), a qualidade dos cuidados de enfermagem, e outros fatores imponderáveis​​. Normalmente, estes pacientes morrem devido a infecções respiratórias ou urinárias. Sobrevivências mais longas têm sido descritas na comunidade médica, mas são excepcionais.

Para corroborar o que ele disse, recorro também a uma declaração feita por o neurocirurgião Carlos Vara Luz, do Hospital de São José, em Lisboa, que neste sábado disse no jornal "A Bola" - apesar das reservas médicas óbvias - ter dúvidas de uma recuperação completa, ou mesmo parcial:

"Nada se sabe sobre o seu estado atual. a acreditar que se mantêm em coma, significa que o seu traumatismo encefálico que sofreu foi de extrema gravidade e o piloto têm dificuldade em recuperar do insulto que sofreu", começa por dizer, referindo porém que não tem acesso ao processo do piloto alemão.

"A noção da recuperação é complexa. Se recuperar significa libertar-se do ventilador, isso é perfeitamente possível. Mas recuperar a que preço? Ficar em estado vegetativo permanente ou em estado de consciência mínima? Ou recuperar até ao ponto de interagir com os outros de forma mais ou menos consciente? São questões de difícil resposta", comentou, antes de ressalvar: "Apesar da ausência de informação, não me parece que volta a ser o mesmo Schumacher."

E continua: "Não se sabe quais as lesões cerebrais sofridas, nem a forma como terão evoluído. No entanto, três meses é demasiado tempo. Um estado de coma tão prolongado seguramente deixará sérias marcas. As funções superiores podem ficar seriamente afetadas e, dependendo da localização das mesmas, poderá, se houver recuperação, ficar com graves défices motores que possam impedir de ter uma vida normal", reconhece.

"Um cérebro de um paciente em coma durante um período de tempo tão prolongado têm uma séria disfunção do tronco cerebral que é a área do encéfalo responsável, entre outras funções, pelo estado de vigília - estar acordado. O tronco cerebral é a estrutura onde todas as vias convergem para o cérebro e onde passa a informação que o cérebro envia para o corpo e nos permite ter motricidade e sensibilidade", concluiu.

Assim sendo, trazendo as declarações e definições dadas por estes especialistas, a ideia que vos quero trazer é que recuperar do coma como vêm nos filmes... é mesmo nos filmes. Aos que acreditam, rezem por um milagre. Mas sendo realistas, é melhor preparar para uma recuperação muito lenta. Isto é, a haver recuperação. 

Sem comentários: