segunda-feira, 19 de maio de 2014

The End: Jack Brabham (1926 - 2014)

"Black Jack" está morto. A cadeia de televisão australiana ABC acaba de anunciar que Jack Brabham, tricampeão do mundo de Formula 1 em 1959, 1960 e 1966, a bordo da seu próprio carro, morreu esta noite, aos 88 anos na sua casa de Gold Coast, na Austrália. Desde há algum tempo que ele tinha uma degenerescência macular, bem como se debatia com problemas renais, que o obrigavam a ir fazer diálise pelo menos três vezes por semana. Mas mesmo assim não perdia o seu bom humor: "Quero morrer sem ter qualquer inimigo. Desejo viver mais tempo do que eles!", afirmou recentemente, citado pela mesma cadeia de televisão australiana.

David Brabham, o filho mais novo de Jack, já agradeceu pelo Twitter as mensagens de simpatia e carinho mandadas até agora.

Neto de um inglês, Jack Brabham nasceu a 2 de Abril de 1926 em Hurtsville, nos subúrbios de Sydney. Era filho de um merceeeiro, e aos 15 anos abandonou a escola para ir trabalhar para uma oficina, como mecânico de automóveis. Algum tempo depois, em plena Segunda Guerra Mundial, serviu na Força Aérea Australiana como mecânico. Quando a guerra acabou, tinha 19 anos e decide o que há de fazer na sua vida: abrir uma oficina. A partir dali, começa a trabalhar num "midget car" para um americano, Johnny Schoenberg, mas final dos anos 40, este decide parar e ele vai correr no seu lugar, tornando-se campeão do seu estado, a Nova Gales do Sul, e campeão nacional, entre 1948 e 1951. Certo dia, o motor do seu "midget car" explode e ele pensa sériamente em encerrar a sua carreira. Foi nessa altura que conhece um homem que o irá acompanhar na sua carreira: o seu compatriota Ron Tauranac.

A partir dali, muda-se para as rampas, com um Cooper-Bristol, e anda a correr na Nova Zelândia, onde entra em contacto com o automobilismo internacional. Em 1955, já tinha 29 anos e era um dos melhores do seu pais, e foi nesse estatuto que foi correr em Ardmore, palco do Grande Prémio da Nova Zelândia, que trazia alguns dos grandes pilotos britânicos. Contra uma concorrência desse peso, vence a corrida e impressiona Dean Delamont, do Royal Automobile Club, que o convida para que passasse uma temporada na Grã-Bretanha. Brabham aceitou, convencido que seria só um ano. Acabaria por ficar durante quinze.

Nessa altura, John Cooper era rei nas formulas de formação, com pequenos motores de 500 cc, montados atrás do condutor, que traziam vantagens em relação ao controlo do carro do que os carros com motor à frente. Nessa altura, ele queria levar isso para a Formula 1, mas as coisas iam lentas. Estreando-se no GP da Grã-Bretanha de 1955, em Aintree, com um Cooper-Bristol de dois litros, bem menos potente do que os Maserati, Ferrari e Mercedes presentes, terminou a corrida com uma embraiagem quebrada. Em 1955 e 1956, com os motores Bristol, os resultados continuavam a ser escassos, mas a passagem para os motores Climax de 2.2 litros, vindos da Formula 2, em 1957, mudou as coisas. No GP do Mónaco desse ano, Brabham estava a fazer uma boa corrida, andando no terceiro posto até que a duas voltas do fim, este falhou, relegando-o para o sexto lugar, na altura, sem dar pontos.

Contudo, no inicio de 1958, os Cooper de motor traseiro causariam um choque na Formula 1: Stirling Moss venceu as duas primeiras corridas no ano, na Argentina e Mónaco, com motor traseiro, deixando os adversários de boca aberta. Brabham beneficia com isso, conseguindo um quarto lugar no Mónaco, os primeiros pontos da sua carreira. Contudo, as vitórias de Moss foram alcançadas com o carro da Rob Walker Racing, logo, uma inscrição privada. Mas Charles e John Cooper sabiam que estavam no bom caminho, e Jack Brabham, agora com 32 anos, era o piloto ideal para eles, graças aos seus conceitos de engenharia.

Em 1959, a máquina está afinada: um novo chassis, o T51, está pronto, havia um novo motor Climax para estrear, e Brabham era o piloto ideal para atacar o título e por fim ao domínio dos carros italianos de motor à frente. Depois de vencer o Daily Express Trophy, na Grã-Bretanha, leva o carro para o Mónaco, palco da primeira corrida oficial da temporada. Acaba como vencedor e repete a proeza em Aintree, palco do GP britânico, com dois pódios (um segundo lugar em Zandvoort e um terceiro em Reims) pelo meio. Depois de mais um pódio, um terceiro posto em Monza, a corrida final da temporada, na pista americana de Sebring, teve contornos dramáticos: segundo na liderança à entrada da última volta, ficou sem gasolina nos metros finais, mas teve o suficiente para cortar a meta no quarto posto, para ser campeão do mundo. O vencedor dessa corrida tinha sido o seu companheiro de equipa e um jovem prodígio de mecânica, como ele: o neozelandês Bruce McLaren.

A temporada de 1960 foi de dominio: Brabham defendeu o título com cinco vitórias seguidas: Holanda (Zandvoort), Bélgica (Spa-Francochamps), França (Reims), Grã-Bretanha (Silverstone) e Portugal (Boavista), fazendo pelo meio três pole-positions. O bi-campeonto é conquistado calmamente com 43 pontos ao todo.

Contudo, em 1961, havia uma mudança na cilindrada dos motores, passando dos 2.5 litros para os 1.5 litros, no intuito de diminuir a potência. Os Ferrari estavam mais do que prontos para os novos regulamentos e dominaram a temporada, enquanto que Cooper e Brabham se debatiam nas pistas. Mas nesse ano, Brabham e Cooper atravessaram o Atlântico para mostrar o carro com motor traseiro. De inicio olhados com désdem, cedo perdem a graça quando veem aquele carro a chegar ao terceiro lugar durante a corrida. No final, alguns problemas mecânicos fizeram com que acabasse em nono, mas já tinha deixado o aviso: os dias dos carros com motor frontal estavam contados.

Em constraste, aquela temporada na Formula 1 tinha sido frustrante: sem vitórias e apenas quatro pontos no bolso, no final da temporada decidiu abandonar a equipa.

Mas nessa altura, ele e Tauranac estavam a construir a sua equipa. Sobre a forma como nasceu a marca, em 2012, contei por aqui a seguinte história: "Corre a lenda que quando constituiu a sua empresa, Jack Brabham não queria dar o seu nome aos carros que iriam fabricar, simplesmente as iniciais MRD. Quando Rob Walker, dono da equipa privada mais famosa da Formula 1, e que lhe comprou muitos chassis para Jo Bonnier e Jo Siffert, entre outros, lhe lembrou a Brabham e Tauranac que essa sigla em francês significava... publicidade indesejada, Brabham cedeu."

Com a sua sede inicial em Esher, de inicio, decidiram construir um carro para a Formula Junior, e somente a meio desse ano é que construiram um carro para a Formula 1, que Brabham estreou em Nurburgring, na Alemanha, com o modelo BT3. O carro tinha as iniciais de ambos: Brabham-Tauranac. Até lá, Brabham guiou um Lotus 24. Acabou o ano com dois quartos lugares em Watkins Glen e East London, os primeiros pontos como construtor.

No ano a seguir, conseguiu o seu primeiro pódio, um segundo lugar no México, com o novo chassis, o BT7, mas as primeiras vitórias surgem em 1964, quando Dan Gurney vence o GP de França, em Rouen. Brabham foi terceiro nessa corrida, depois de ter tido outro pódio em Spa-Francochamps.

Em 1965, Brabham pensa seriamente em retirar-se e ceder o seu lugar de piloto para Gurney, mas ele têm os seus próprios planos e também pretende ser construtor, estando a preparar-se para construir a Eagle. Sem grandes escolhas, decide ficar, já que em 1966, a Formula 1 iria mudar de cilindrada, para os motores de três litros.

Nessa altura, enquanto que todos se apressavam e construiam motores V12, Brabham convenceu uma preparadora dos arredores de Sydney, a Repco, a construir e alimentar um velho motor V8 de aluminio, baseado num motor Oldsmobile. O motor fica pronto a tempo de ser usado no novo chassis da marca, o BT19, e ao lado do seu companheiro de equipa, o meozelandês Dennis Hulme, arrasa: vitórias em França (Reims), Grã-Bretanha (Brands Hatch), Holanda (Zandvoort) e Alemanha (Nurburgring), dão-lhe a ele, aos 40 anos de idade, um feito único até aos dias de hoje: ser campeão do mundo com o seu próprio carro. Por causa disso, a Rainha de Inglaterra da-lhe a Ordem do Império Britânico. Doze anos depois, em 1978, seria ordenado Cavaleiro, o primeiro piloto de Formula 1 a ser conferido com esse feito.

Em 1967, apenas venceu dias corridas, em França (Le Mans) e Itália (Monza), quando conseguiu bater o Honda de John Surtees por apenas 0,1 segundos. Acabou sendo vice-campeão do mundo, vendo o seu companheiro de equipa - e seu empregado - Dennis Hulme ser campeão do mundo. As coisas não correm bem em 1968, agora que viu que o motor Repco começava a ser menos potente e pior do que os Cosworth V8. Com apenas dois pontos e aos 42 anos, pensa já na reforma.

Contudo, os pilotos que têm a seu lado, primeiro o austriaco Jochen Rindt e depois o belga Jacky Ickx, apesar de talentosos, preferem ir para outros lados, com maiores garantias de título, como a Lotus e a Ferrari. Assim, em 1970, aos 43 anos, prepara-se para mais um campeonato, com o BT33. o primeiro chassis monocoque, e as coisas correm bem: logo na primeira corrida do ano, no circuito sul-africano de Kyalami, consegue bater os seus adversários e alcança a 14ª vitória da sua carreira. Pouco depois, no Mónaco, ele anda em duelo com Jochen Rindt, o seu ex-companheiro na Brabham em 1968, e este é disputado até à última curva, altura em que Brabham falha a travagem na curva do Gasómetro e deixa que ele seja o vencedor.

No final, conseguiria mais dois pódios e 25 pontos na temporada, valendo-lhe o quinto lugar final. No inicio de 1971, vende a sua parte a Tauranac e volta para a Austrália. Nestes 128 Grandes Prémios disputados, em dezasseis temporadas, conseguiu catorze vitórias, treze pole-positions e doze voltas mais rápidas, conquistando 31 pódios e 256 pontos no total.

Quando volta à sua terra natal, junta-se a um engenheiro da Repco, de seu nome John Judd, e ajuda a fazer a Engine Conversions Ltd, que viria a ser a preparadora com o seu nome e que em 1988, iria fornecer motores de 3.5 litros à Formula 1. Pouco depois, ajudou a fundar a Ralt, uma construtora de chassis na Formula 3 e Formula 2, e depois Formula 3000, alcançando o seu auge nos anos 80 e 90.

Por esta altura, Brabham tinha três filhos, todos rapazes. O mais velho, Geoff, aventurou-se em paragens americanas, quer na IMSA, quer na CART, quer na Endurance, onde venceu as 24 Horas de Le Mans em 1993. Depois vieram os outros dois, com Gary e David a aventurarem-se na Formula 1, sem grandes resultados. O primeiro embarcou na aventura da Life, em 1990, ao mesmo tempo que David, o mais novo, estava a estrear-se... pela Brabham. Contudo, esta estava a viver a sua degradação, e as suas passagens pela categoria máxima do automobilismo foram modestas, a última das quais em 1994, pela Simtek. Contudo, foi pela Endurance que se tornou mais famoso, imitando o seu irmão com uma vitória nas 24 Horas de Le Mans em 2009. Contudo, Geoff e David conseguiram algo impressionante juntos: a vitória na Bathurst 1000, em 1997.

E nestes últimos tempos, estava a ver crescer a terceira geração, em ambos os lados do Atlântico. Nos Estados Unidos está Matthew, filho de Geoff, que neste ano corre na Indy Lights e com vinte anos de idade, parece estar em ascensão, a caminho da IndyCar e de uma carreira promissora no automobilismo. Na Grã-Bretanha, o seu primo Sam Brabham, filho de David - e tio de Mike Thackwell - tenta a sua sorte na Formula Ford britânica. Todos eles a seguirem o passo dos seus pais, tios e avô.

Cruvemo-nos perante o grande legado que ele nos deixa para o automobilismo mundial. Ars lunga, vita brevis, "Black Jack"

Sem comentários: