quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A crise atual, vista por Nigel Roebuck

Uma das pessoas que admirei e admiro ao longo de todos estes anos de automobilismo é Nigel Roebuck. Sigo-o desde o final do século passado, ainda ele escrevia na Autosport britânica, antes de ele passar para a Motorsport britânica, e ler as suas opiniões nestas alturas cruciais da Formula 1 em particular, poderemos ter uma ideia do que está a pensar e das possiveis consequências para o futuro. E esta crise atual não escapa á regra. E lendo a começar pelo título (a famosa resposta dita, alegadamente, pela rainha Maria Antonieta e que desde então é o simbolo do desprezo) parece que aí vêm coisa brava. E vêm.

Nigel começa por recuar no tempo, até 2001, altura em que Max Mosley e Bernie Ecclestone assinam o famoso "acordo dos cem anos", que não foi nada mais, mada menos, do que a cedência total de todos os direitos da FIA para o anão. Não é algo do qual se poderia surpreender, dado que Mosley, ex-proprietário da March, foi também advogado de Ecclestone no final da década de 70, inicios de 80, altura do primeiro Acordo da Concórdia. Sempre considerei que Mosley era uma toupeira de Ecclestone, e as suas ações consequentes não me enganaram.

Pouco tempo depois, Roebuck foi visitar Ken Tyrrell, já doente com o cancro que o viria a matar. O corpo poderia estar a falhar, mas a mente continuava a funcionar, e ele afirmou: "Dê um tempo", disse Ken. "Bernie açoitará os direitos comerciais para um bando de sanguessugas financeiros...". E foi o que aconteceu. O negócio com a CVC Capital Partners foi feito em 2006, cinco anos depois da morte de Tyrrell, a troco de dois mil milhões de dólares por uma parte equivalente a metade do negócio. E claro, uma das condições foi que Bernie continuasse a gerir o show.

"Uma vez no comando, a CVC não perdeu tempo em fazer o que este tipo de empresas de "private equity" fazem melhor: ordenhar a sua nova fonte de dinheiro com as duas mãos, mantendo as suas despesas - pagamentos para as equipes, em outras palavras - um preço tão baixo quanto possivel", afirma Roebuck.

Depois fala dos eventos de 2008 e 2009, quando apareceu a FOTA, a associação de equipas, unidas para conseguir ter uma maior fatia dos dinheiros. Como seria de esperar, Ecclestone isolou as equipas uma a uma e as dividiu, para enfraquecer. Convenceu Red Bull e Ferrari que lhes iria dar uma fatia maior do bolo, e eles em troca sairam rapidamente do grupo, pois tinham alcançado os seus objetivos.

Contudo, agora é diferente. Falamos das equipas médias e pequenas - Sauber, Lotus, Force India, e em última medida, Caterham e Marussia - e nesse campo, Bernie não quer saber do destino delas, embora às vezes diga coisas desconcertantes, como é seu hábito.

"Em Austin, onde Marussia e Caterham estiveram ausentes, e as restantes sobreviventes estavam extremamente irritadas, fiquei espantado ao ouvir Ecclestone por uma vez falando de forma quase humilde. 'O problema é que há muito dinheiro a ser mal distribuído - provavelmente por minha culpa', disse ele. 'Mas quando fizermos os acordos, parecia ser uma boa ideia no momento. Francamente, eu sei que é errado, mas não sei como corrigi-lo. Se a empresa pertencia a mim, eu teria feito as coisas de uma maneira diferente, porque teria sido o meu dinheiro com que estaria lidando, mas eu trabalho para pessoas que estão no negócio unicamente para ganhar dinheiro'".

O chato é que na corrida seguinte, no Brasil, Ecclestone disse que se as equipas pequenas querem ganhar dinheiro, teriam de falar para as grandes, ou seja o Grupo de Estratégia, para que entregassem uma parte do dinheiro. Pois... se não ouvem Jean Todt, o presidente da FIA (que pediu um teto orçamental no inicio do ano, plenamente recusado pelos grandes), poque é que queriam ouvir estas equipas? São peixe pequeno.

Sejamos honestos: não creio que Ecclestone seja o pau mandado da CVC. É uma ilusão, ele não é assim tão burro a esse ponto. Creio até que deve haver algum acordo em que ele deve ter a rédea solta em troca de certa quantidade de dinheiro que deve ser depositado nos cofres da empresa, em Abu Dhabi. Em suma, apesar de, no papel, ele prestar contas à CVC, na realidade, ele não presta contas a ninguém, reinando acima do bem e do mal.

O chato é que se o peixe pequeno se for embora - seja pela maneira darwiniana do termo ou por outro motivo - eles não terão alimento para comer. As piranhas a alimentarem-se umas às outras de maneira autofágica terá a sua piada, mas como todos sabem, a longo prazo seria o suicídio da Formula 1.

Outra coisa do qual ele fala é sobre a troca dos motores V8 pelos V6 Turbo. Apesar de serem bastante mais caros (e menos barulhentos) do que os anteriores, era uma inevitabilidade necessária, num mundo em mudança do qual vivemos atualmente. E para além disso, caso não tivesse havido esta mudança, a Renault e a Mercedes teriam ido embora, mais cedo ou mais tarde, deixando provavelmente a Ferrari sozinha neste mundo, pois era o único interessado nos V8 para poder vencer mais dos seus supercarros. E claro, sem essa mudança, a Honda nunca se teria dado ao trabalho de construir um motor para regressar à Formula 1. Mas parece que as pessoas não querem saber disso.

E o jornalista fala que outros problemas poderão surgir no horizonte, na forma do descongelamento dos motores. As três marcas acordaram nisso antes da introdução dos V6 Turbo, e claro, entraram na corrida para ver quem tinham os motores mais potentes. A Mercedes venceu a corrida e o resultado está à vista de todos, com o poder a mudar de Milton Keynes (sede da Red Bull) para Brackley (sede da Mercedes, herdada da Honda e da Brawn GP). Claro, Renault e Ferrari querem descongelar, para poderem apresentar um pacote mais competitivo, mas os alemães não estão para aí virados. Isso, e agora a chegada da Honda, poderá ser mais um pomo de discórdia e claro, mais uma "corrida às armas" e claro, mais despesas. E a conta, como sabem, será entregue às equipas. Resistiram a isto por quanto mais tempo?

Por agora, deve ser algo que não vai acontecer em 2015, porque a mudança iria requerer unanimidade, mas no ano seguinte, em 2016, basta apenas um voto maioritário. E mesmo não sabendo as intenções da Honda, pode-se ver que, se depender da atual situação, eles votarão a favor do descongelamento, porque também lhes interessa.

Em jeito de conclusão, Roebuck sente que esta indefinição está a dar cabo da Formula 1, ou se preferirem está a desviar a atenção das coisas verdadeiramente importantes, como é a luta entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg para ver quem será o campeão de 2014. E a atitude de Ecclestone é a de Maria Antonieta, onde fala que "não comem pão? Que comam bolos!", quase como a que a dizer que não foge de uma boa luta, mesmo do alto dos seus 84 anos.

Resta uma pergunta final: se estamos a falar sobre Maria Antonieta, em termos de comparação, estamos em que mês de 1789? As coisas evoluem rapidamente, não sei se sabem.

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