terça-feira, 18 de novembro de 2014

A revolta das equipas médias

Esta segunda-feira, os representantes das três equipas que estão a contestar os dinheiros distribuídos por Bernie Ecclestone às equipas de Formula 1 (Sauber, Force Índia e Lotus), entregaram uma carta a todas as entidades possíveis (as equipas do Grupo de Estratégia, Formula One Management, FIA e o próprio Bernie), onde criticam fortemente o rumo que a Formula 1 está a tomar, nomeadamente a distribuição dos dinheiros entre eles e as outras equipas, que consideram como "desigual".

A, escrita por Bob Fernley, o "numero dois" da Force Índia, carta não é meiga. Para colocar as coisas desta forma, "eles colocaram a boca no trombone", e o ruído, como seria de esperar, não é harmonioso. Eles basicamente contam pormenores do mais recente Acordo de Concórdia, onde falam que dos 835 milhões de dólares que as equipas recebem por temporada, 412 milhões vão para as equipas do denominado "grupo de Estratégia", leia-se, Ferrari, McLaren, Red Bull (e Toro Rosso), Mercedes e Williams. Em contraste, as três equipas receberam partes que vão entre os 54 e os 84 milhões de dólares cada um. Fazendo as contas de um modo conservador, estas três equipas poderão ter recebido juntas cerca de 160 milhões de dólares.

E deixam outros números bem mais cruéis, ao falar que ter os motores V6 Turbo e os respectivos sistemas de recuperação de energia custam-lhes cerca de 43 milhões de dólares esta temporada. E denunciam que não tiveram voto na matéria da escolha para este novo tipo de motores. E para equipas como a Sauber, estes novos motores constituíram cerca de 70 por cento do orçamento para este ano. E claro, eles agora pretendem uma distribuição mais justa dos dinheiros, conversando com Ecclestone e os restantes construtores para que se chegue a um acordo de redistribuição. E - não diretamente, mas de forma velada - fala que o Grupo de Estratégia dirige as coisas como se fosse um cartel.

Eis uns extratos dos quais traduzi, vindos do blog do Joe Saward. Como é habitual, podem ler a versão original por aqui. Também podem ler sobre isso no sitio do James Allen, se quiserem, que é para terem outra ideia sobre o mesmo assunto.

"Os custos da unidade de energia [leia-se, motores], juntamente com os custos de instalação, acrescentaram em média, entre as três equipas, para 43 milhões de dólares. Isto mostra claramente que 70-80 por cento da renda que a FOM nos dá tem de ser gasto em motores".

"Ao contrário das equipas de fábrica [Ferrari e Mercedes, mas também McLaren], o nosso negócio principal é a Fórmula 1. No entanto, não temos escolha a não ser gastar a maior parte das nossas receitas no motor, e os restantes 30 por cento [do orçamento disponível] não são suficientes para construir, gerir e correr uma equipa ao longo de uma temporada de 20 corridas. A geração de mais fundos através de patrocínios é possível, mas todos reconhecemos que outras competições esportivas globais estão perseguindo os mesmos patrocinadores que estão em níveis mais baixos que estavam há cerca de dois anos. É isto torna-se um desafio ainda maior quando o detentor dos direitos comerciais da Formula 1 também está competindo [pelos mesmos patrocínios] contra as equipas." (...)

(...) "A posição em que estamos agora é um resultado direto do aumento maciço dos custos e a falta de vontade de reduzir os custos [por parte das equipas do Grupo de Estratégia]."

A carta continua, para dizer que "não podemos aceitar a atual distribuição dos recursos, tendo em vista o aumento maciço das despesas. Entendemos que a distribuição é baseada nos nossos acordos bilaterais. E no entanto, é do nosso conhecimento geral sobre as circunstâncias dos quais nós assinamos tais negócios. O foco do acionista durante as negociações [provavelmente o que Fernley deverá estar a falar do mais recente Acordo de Concórdia] foi de garantir a cooperação com as grandes equipas, tendo em vista o planeado IPO [entrada em bolsa, provavelmente em Singapura, mas sem data marcada] do qual não nos deram qualquer espaço para negociação. Para além disso, o facto de fornecerem a pessoas-chave e outras entidades várias opções de partilha poderão ter obscurecido o seu julgamento em relação a criação do que é efetivamente um cartel questionável compreendendo o detentor dos direitos comerciais [FOM, CVC e Bernie Ecclestone] Ferrari, Red Bull, Mercedes, McLaren e Williams, controlando tanto a governo da Fórmula 1 e, aparentemente, a distribuição de fundos provenientes da FOM."

"Enquanto a FIA estiver envolvido no grupo de estratégia, eles serão impotentes para agir, como foi demonstrado recentemente no processo de controle de custos, que viu quando a FIA lançou um comunicado de imprensa afirmando a sua intenção de impor controles de custos, que foi logo contestado pelo Detentor Comercial, a Red Bull, Ferrari, Mercedes, McLaren e Williams."

"[A Formula 1 continua a ser] uma das mais fortes plataformas desportivas deste planeta. No entanto, as circunstâncias dentro e em torno de Fórmula 1 mudaram, e nossa incapacidade coletiva de reagir está prejudicando este desporto. Prosseguindo uma orientação para o terceiro chassis ou chassis-cliente é criar medos. Tal movimento não só irá alterar o DNA da Fórmula 1, mas também danificar o valor das nossas empresas e levar à perda de empregos. Um sistema de duas classes só pode ser considerada como uma visão míope. É evidente que os desenvolvimentos atuais estão reduzindo drasticamente o valor da Fórmula 1 e minar a sua reputação como desporto."

"As nossas equipas têm a intenção, tal como as outras, uma clara intenção de continuar como construtoras na Fórmula 1. No entanto, ao contrário das equipes de fábrica, que podiam sair por um capricho de uma qualquer decisão do Conselho, Lotus, Sauber e Force India F1 são ligados a este desporto, pois é o único foco dos seus negócios. Os problemas que enfrentamos estão relacionados com as questões financeiras que só podem ser resolvidos com medidas financeiras. E em nome do nosso interesse comum para um futuro sustentável do desporto, solicitamos que, juntamente com as outras partes interessadas, implemente uma distribuição mais equitativa".

Como já disse, quem leu nas entrelinhas descobriu que Bob Fernley deu detalhes sobre algumas clausulas do mais recente Acordo (ou Pacto) de Concórdia, do qual Bernie Ecclestone deu algum poder ao Grupo de Estratégia, ou seja, entregou o poder a cinco equipas, dos quais estão ligadas umas a outras, ficando com a parte de leão dos dinheiros. E caso se prove esta "cartelização", ela pode causar problemas, pois como disse depois o Joe Saward noutro post do seu blog, caso se verifique tal cartelização, é assunto suficiente para uma investigação por parte da União Europeia. É que todas estas equipas são inglesas, alemãs, austriacas ou italianas, e todos esses países fazem parte da UE. E claro, é motivo mais do que suficiente para investigação por abuso de posição dominante.

Mas há outra coisa interessante sobre este assunto todo. Quem têm acompanhado isto tudo nas últimas semanas, sabe que em Austin houve rumores bem fortes de boicote por parte destas três equipas. E os jornalistas que estiveram lá juram que tal medo esteve no ar até 90 minutos antes da corrida, e um dos que insistia nessa hipótese era precisamente... Bob Fernley. Três semanas depois, ele escreve (ou assina em nome das equipas) esta carta, com o devido conteúdo a ser "oferecido" à imprensa, para que esta possa publicar. 

Ora, como sabem, faltam cinco dias para o GP de Abu Dhabi, a última corrida do ano e aquele que têm os pontos a dobrar. E em circunstâncias normais, deveríamos estar a falar de Nico Rosberg e Lewis Hamilton, e não na possibilidade das equipas médias poderem agir coordenadamente para estragar a festa. Há uma frase do Joe que não consigo esquecer: "A primeira regra de um conflito é nunca menosprezar uma pessoa que não têm nada a perder". E se eles querem marcar uma posição, o momento é agora. 

1 comentário:

Ron Groo disse...

O dia que Sauber e Force India personificarem a F1 como faz a Ferrari, penso que terão razão em pedir mais dinheiro.
Até lá...

O dia que a Ferrari sair do circo, acaba.