domingo, 23 de agosto de 2015

The End: Guy Ligier (1930-2015)

O ex-piloto e construtor francês Guy Ligier morreu este domingo aos 85 anos, em Nevers. A sua equipa esteve na Formula 1 por vinte e um anos, entre 1976 e 1997, vencendo nove Grandes Prémios e onde passou pilotos como Jacques Laffite, Didier Pironi, Patrick Depailler, René Arnoux, Martin Brundle e Olivier Panis. As causas da sua morte não foram divulgadas pela familia.

Para alem da Formula 1, Ligier esteve na Endurance, participando nas 24 Horas de Le Mans, primeiro com os JS2, e agora recentemente com os carros feitos para a categoria LMP2 e LMP3, os JS P2 e JS P3.

Personagem fascinante (encolerizava-se quando observava os erros crassos de alguns dos seus pilotos), por ter feito imensas coisas na vida antes de ser construtor, nasceu a 12 de julho de 1930, em Vichy. Orfão de pai em tenra idade, foi desportista na sua juventude, tendo chegado a internacional francês... de rugby, antes de se aventurar na construção civil, onde prosperou graças aos contratos para construir auto-estradas um pouco por toda a França. Nisso foi ajudado por uma amizade de juventude com um jovem deputado socialista, Francois Mitterand.

Rico e próspero, começou a correr no automobilismo graças à amizade com Jo Schlesser, e chegou à Formula 1 em 1966, com um Cooper-Maserati inscrito por ele mesmo. Um acidente em Nurburgring o fez ficar inativo para o resto da temporada, mas voltou a correr em 1967 com um Brabham, onde conseguiu um sexto lugar no GP da Alemanha. Após treze Grandes Prémios, pendurou o capacete e decidiu montar uma equipa de Formula 2, ao lado do seu amigo Schlesser, com chassis McLaren.

Contudo, em julho de 1968, em Rouen, o seu amigo Schlesser morre durante o GP de França, a bordo de um Honda oficial, o que faz com que Ligier se tornasse construtor por inteiro. Os seus chassis terão as iniciais de Schlesser, em sua homenagem. O primeiro chassis foi desenhado por Michél Tetu, e destinava-se aos SportsCars, e o seguinte, o JS2, andou em Le Mans, mas também foi vendido como um carro de estrada, com mecânica Maserati - o mesmo que equipavam os Citroen SM. Contudo, a crise do petróleo de 1973 o colocou de lado.

Em 1974, Ligier tem uma chance unica ao comprar o espólio da Matra na Endurance, e um conjunto de bons engenheiros, como Gerard Ducarouge. E é com eles que decide em 1975 aventurar-se na Formula 1, com os motores V12 da Matra. No final desse ano escolhe o seu piloto, Jacques Laffite, que conseguiu superar Jean-Pierre Beltoise num "shoot out".

O JS5, projetado por Ducarouge, tinha uma enorme entrada de ar, e rapidamente ficou conhecida por "bule de chá", apesar de ter corrido dessa forma por apenas três corridas. Com Laffite ao volante, conseguiu 20 pontos e uma pole-position. No ano seguinte, ainda com Laffite ao volante, vence pela primeira vez na Suécia, numa corrida tão inesperada que os organizadores... não tinham a gravação com o hino francês!

Em 1979 contratam Patrick Depailler como segundo piloto e aproveitando os ensinamentos do efeito-solo, projetam o JS11 e com motor Cosworth montado, venceram as duas primeiras corridas do ano, com Jacques Laffite, tornando-se candidato numero um ao campeonato. Depailler ainda consegue mais uma vitória, em Jarama, antes de um acidente doméstico o colocar fora de combate para o resto da temporada. Jacky Ickx foi o seu substituto, mas no final do ano conseguiram a melhor classificação até então, o terceiro lugar, com 61 pontos.

Em 1980, Didier Pironi entra para a equipa e conseguem duas vitórias, em Zolder (Pironi) e em Hockenheim (Laffite). A consistência faz com que fiquem no segundo lugar do campeonato de construtores, que seria o seu melhor de sempre, com 66 pontos. No ano seguinte, trocam o Cosworth pela Matra, enquanto que Pironi vai para a Ferrari. Laffite vence duas corridas, na Austria e no Canadá, e são quartos classificados no campeonato. Não vencem em 1982, quando reformam de vez o Matra V12, mas penam para arranjar um motor Turbo decente. Sem Ducarouge a desenhar carros, e sem Laffite (na Williams) a temporada de 1983 é um desastre, pois não conseguem qualquer ponto.

A recuperação vai demorar. Em 1984, arranja um motor Renault Turbo, mas consegue três pontos. Melhor no ano seguinte, com o regressado Laffite e o italiano Andrea de Cesaris, mas enquanto o veterano francês coleciona pódios, já o italiano coleciona desastres. Após um acidente em Zeltweg, ele é substituido por Phiippe Streiff e consegue uma dobradinha no pódio na última corrida do ano, na Austrália. No final, foram 23 pontos, três pódios e uma volta mais rápida. No ano seguinte, aparece René Arnoux e tem mais pontos: 29, com dois pódios. Jacques Laffite sofre um acidente em Brands Hatch, que praticamente termina a sua carreira na Formula 1, substitudo por Philippe Alliot. Mas isso não impede de acabarem o ano no quinto lugar do campeonato de Construtores.

A partir dali, é o mergulho no escuro. Uma má escolha de motores para a Alfa Romeo faz com que tenham de construir um carro do zero com os motores Megatron (ex-BMW) e conseguiram apenas um ponto em 1987. Só voltariam a pontuar em 1989, com o JS33, guiado por Arnoux e Olivier Grouillard, (com Ricardo Divila como projetista) para depois passarem duas temporadas sem chegar aos pontos, por muito dinheiro que pudesse vir do estado francês através da SEITA, a sociedade tabaqueira que detinha a marca Gitanes, e depois a Gauloises.

Em 1992, Ligier, cansado, cede a sociedade a Cyril de Rouvre, (e este depois vendeu a Flávio Briatore e Tom Waklinshaw) e afasta-se da sua equipa, apesar de se manter no ativo até 1997, vencendo mais uma corrida em 1996, com Olivier Panis ao volante. Depois  a equipa é vendida a Alain Prost, que muda para o seu proprio nome e corre até 2001.

Enquanto isso, a Ligier dedica-se a construir microcarros, nos quais se tornou num dos mais bem sucedidos em França. Nos anos mais recentes, o nome Ligier regressou ao automobilismo graças à sua associação com a Onroak Racing, na Endurance, especialmente na LMP2 e LMP3, e continuou a ser batizado da mesma forma: os JS, homenageando Jo Schlesser. Ars lunga, vita brevis, caro Guy.

Sem comentários: