sábado, 5 de março de 2016

No Nobres do Grid deste mês...

(...) Nesse dia 5 de Março, a primeira etapa [do rali de Portugal] consistiam em duas passagens pela Serra de Sintra, de manhã e de tarde, e numa estrada muito estreita, a multidão acumulava-se nas bermas, numa posição perigosa. O primeiro aviso tinha sido dado quando o finlandês Timo Salonen, campeão do mundo em título, tocou com o seu Peugeot 205 um espetador no início da primeira classificativa da primeira passagem.

Nas primeiras três classificativas, as coisas estavam ao rubro. Henri Toivonen, Massimo Biasion e Markku Alen, todos pela Lancia, lutavam pelo comando, contra o Audi de Walter Rohrl e os Peugeot de Timo Salonen e Juha Kankunnen, os Austin de Tony Pond e Malcom Wilson e os Ford RS200 de Stig Blomqvist e Kally Grundel, e os pilotos locais tentavam acompanhar os oficiais: Joaquim Moutinho, no seu Renault 5 Turbo e Joaquim Santos, num Ford RS200.

Um pequeno parêntesis para falar sobre o panorama nacional dos ralis. Nessa altura existiam duas grandes equipas: a Diabolique e a Renault Portuguesa. A Diabolique era uma aventura de um médico do Porto, Miguel Oliveira, que era um enorme entusiasta do automobilismo, tinha encontrado o piloto ideal na figura de Joaquim Santos. Começando nem meados da década de 70, eram fiéis à Ford, graças aos seus modelos Escort. Santos era um excelente piloto e muitas vezes era o melhor português numa prova dessa dimensão, e muitas vezes conseguiam bons resultados. Em contraste, Moutinho, outro piloto nortenho, tinha consigo um Renault 5 Turbo que pertencia à representação nacional da marca do losango.

Nesses anos 80, tirando as entradas de pilotos como Jorge Otigão ou Carlos Bica, o duelo pelo campeonato nacional era muitas vezes uma “batalha” entre Santos e Moutinho, com este último a levar a melhor, porque graças à fidelidade da Diabolique à Ford, andavam com um RS1800 já datado, porque a Ford tinha perdido o comboio da evolução dos Grupo B.

Contudo, em 1986, a Ford tinha apresentado o RS200, e Santos (e a Diabolique) precisavam de ter uma unidade preparada o mais depressa possível. O rali de Portugal era o segundo onde esses carros iriam andar, e Santos não teve muito tempo para se adaptar ao carro, que era diferente em todos os aspectos, a começar pelo motor, que estava atrás do condutor e do navegador. Para ele, isto seria um rali de adaptação. (...)

(...) Na primeira classificativa, Joaquim Santos – carro numero 15 - andava a adaptar-se ao Ford RS200, recém-adquirido à fábrica e que serviria para o campeonato nacional de ralis, competindo contra Moutinho (carro imediatamente à frente, o 14) e Carlos Bica (que andava nesse rali num Lancia 037), os seus rivais mais diretos. E foi nessa altura de adaptação que a tragédia aconteceu. A meio da primeira especial, Santos perde o controlo do seu carro - uns falam por tentar evitar um espetador, outros falam que passou por uma zona húmida e perdeu aderência – e embate de frente contra um grupo de espetadores. Trinta e três pessoas ficaram feridas, e duas pessoas, uma mulher e o seu filho de nove anos, acabaram por morrer. Uma terceira pessoa acabaria por morrer mais tarde, num hospital de Lisboa. 

Miguel Oliveira diz sobre esse momento: “Houve uma pessoa que se colocou dentro da estrada e ele [Joaquim Santos] teve de corrigir a trajetória. E com isso, ele perdeu o controlo”.

“Ele estava em choque, totalmente em choque. Depois saiu do carro, foi para o meio da estrada, com os olhos esbugalhados e só perguntava: ‘O que aconteceu? Porque é que aconteceu?’

A prova foi interrompida nesse local, mas a organização decidiu prosseguir o rali até ao final da manhã, pois quando aconteceu, os pilotos da frente já estavam a fazer a terceira especial. (...)

No último Rali da Suécia, as relações entre os pilotos e a organização andou tão tensa que se considerou uma greve, por causa das más condições dos troços naquele pais nordico. Mas isso nãso teria sido inédito, pois há 30 anos, em Portugal. os pilotos decidiram boicotar o rali após o acidente mortal na Lagoa Azul, onde três pessoas acabaram por morrer, vitimas do acidente de Joaquim Santos, que corria naquele rali com um Ford RS200.

O rali de Portugal era muito popular entre o público e o magote de gente que assistia eram demais para carros cada vez mais potentes e cada vez mais leves. Os pilotos sabiam que um acidente grave iria ser uma inevitabilidade, e o que aconteceu foi o primeiro prego no caixão de uma era mítica nos ralis, confirmado dois meses mais tarde quando Henri Toivonen e Sergio Cresto mergulharam para as suas mortes, no Rali da Córsega. 

A historia desse rali, que este mês completa 30 anos, é o assunto que conto este mês no Nobres do Grid.

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