segunda-feira, 28 de março de 2016

Quando a Formula 1 andou por Las Vegas

Que Bernie Ecclestone tem uma longa fixação pelos Estados Unidos, não é novidade. O calendário da Formula 1 chegou a ter três corridas em paragens americanas, em meados dos anos 80, e esta já passou por um conjunto de cidades que iam desde Detroit e Phoenix, até classicos como Long Beach, passando por fracassos totais como Las Vegas e Dallas. Em certos aspectos, pode-se ver que o anão sempre teve dois grandes objetivos: sacar muito dinheiro e obrigar os americanos a gostar da Formula 1. Os resultados foram tão modestos que após 1991, Bernie desistiu do continente americano por nove anos, até regressar, com corridas em Indianápolis.

Esta segunda-feira, o octogenário deixou escapar a ideia de que tem um contrato com Las Vegas para correr por lá, a partir de 2017, e em substituição de... Monza. Não se sabe se seria num circuito de rua ou no complexo existente na cidade, mas não seria uma estreia absoluta por aquelas bandas. É que em 1981 e 1982, a Formula 1 andou por lá, num circuito desenhado no parque de estacionamento de um dos maiores casinos da cidade, e que alguns consideram como o pior circuito jamais desenhado. Certamente nunca viram os tilkódromos...

Como provavelmente ainda lá iremos antes do Bernie desaparecer de cena - algo que todos reclamam há muito - recuemos 34 anos no tempo para ver como foi a Formula 1 parar a "sin city", a capital americana do jogo e o único estado onde a prostituição ainda é legal.


1981: A última de Jones e a coroação de Piquet


A corrida de Las Vegas surgiu como o substituto de Watkins Glen, que tinha saído do calendário no ano anterior por falta de dinheiro do seu promotor. Ecclestone não hesitou e arranjou o patrocínio da Nissan para fazer um circuito no parque de estacionamento do Ceasar's Palace. O circuito, com 3650 metros, tinha um desenho aborrecido, mas era bem espaçado, com escapatórias e asfalto bem alargado, que permitia ultrapassagens. 

Contudo, o sentido era contrário aos ponteiros do relógio, algo que não acontecia na esmagadora maioria dos circuitos, e o numero de voltas para aquela corrida - 75 - poderia prejudicar os pescoços dos pilotos. E naquele ano, alguns iriam pagar o preço.

Naquela temporada, Las Vegas tornou-se no local onde a Formula 1 iria decidir-se, pois havia três pilotos com chances de vencer: o argentino Carlos Reutemann, num Williams, o brasileiro Nelson Piquet, num Brabham, e o francês Jacques Laffite, num Ligier. Outro francês, Alain Prost, no seu Renault, também poderia ter chances, mas eram bem pequenas.

Reutemann fez a pole-position, com Piquet a ser quarto, à frente de Prost, enquanto que Laffite era apenas o 12º na grelha. Mesmo sendo em outubro, naquele fim de semana, as temperaturas na cidade estavam bem altas, e os pilotos sofriam, especialmente Piquet, que não tinha um pescoço forte. Sugar Ray Leonard, o pugilista de pesos-pesados de então, emprestou o seu massagista à Brabham para cuidar do fisico de Piquet.

Na partida, parecia que Reutemann tinha isto no papo e iria ser o primeiro argentino a ganhar desde Juan Manuel Fangio. Contudo, havia uma guerra interna na Williams, que favorecia Alan Jones, e a ajuda a ele era a mínima. O incidente em Jacarépaguá não tinha sido esquecido, e Jones - o poleman - iria correr a sua própria corrida e não prestar qualquer assistência ao seu "companheiro" de equipa.

Com Paul Newman como diretor de corrida, na largada, Jones saltou para a frente e foi-se embora, enquanto que Reutemann perdeu lugares para Gilles Villeneuve, Alain Prost e Bruno Giacomelli. O argentino cedo teve Piquet atrás de si, e o brasileiro passou-o na volta 17. Por essa altura, o piloto da Williams tinha problemas com o seu carro, por causa de uma caixa de velocidades quebrada. Iria acabar na oitava posição.

Contudo, a grande preocupação era Piquet. Visivelmente lutando contra as dores e o cansaço, Piquet arrastava-se no quinto posto, o suficiente para ser campeão por um ponto, mas tinha a ameaça de Laffite, que não podendo vencer a ele, poderia dar pontos ao argentino. No final, o francês foi sexto, mas não o suficiente para o incomodar. Jones foi o vencedor, efusivamente comemorado pelos mecânicos da Williams (!), com Prost e Giacomelli a acompanhá-lo no pódio.


1982: A primeira de Alboreto e a coroação de Rosberg


A temporada seguinte foi das mais atribuladas da história da Formula 1: greves, boicotes, onze vencedores em dezasseis corridas, duas mortes no pelotão e o acidente grave de um dos candidatos ao título foram alguns dos incidentes que polvilharam a temporada de 1982. E por causa disso, quando a Formula 1 chegou a Las Vegas para disputar a última corrida do campeonato - e a terceira corrida em solo americano, depois de Long Beach e da estreante Detroit - havia três candidatos ao título. Na realidade, dois, porque o terceiro não poderia estar presente.

Didier Pironi parecia que ia ser o primeiro francês a ser campeão do mundo, se não fosse o seu acidente no GP da Alemanha, onde quase perdeu o seu pé direito, e onde praticamente acabou a sua carreira. Sendo assim, havia dois candidatos reais: o finlandês Keke Rosberg, que tinha substituído Alan Jones na Williams, e o britânico John Watson, da McLaren. Ambos estavam separados por nove pontos, e a Rosberg bastava um sexto posto para ser campeão. 

Alain Prost também poderia ter uma chance, por causa das suas vitórias nas duas primeiras provas do ano, mas os problemas crónicos no seu turbo o tinham colocado fora de cena antes desta corrida. Mesmo assim, ele conseguiu ser o "poleman", com o seu Renault turbo, na frente do seu companheiro de equipa, René Arnoux, com a segunda linha a ser preenchida com o Tyrrell de Michele Alboreto e o Ligier-Matra de Eddie Cheever, para gáudio dos locais. Rosberg era sexto, na frente de Watson, o nono.

Na corrida, os Renault dispararam, deixando Alboreto para trás. Mas a partir da décima volta, o Tyrrell começou a andar no ritmo dos Renault, graças à sinuosidade do circuito. Arnoux desistiu na volta 20, por causa do motor, e Prost estava na liderança, com Alboreto a aproximar-se. Atrás, Watson era terceiro, depois de passar Rosberg, Piquet e o Ferrari de Mario Andretti, enquanto que o finlandês queria fazer uma corrida calma, alcançando o quinto lugar que ambicionava para ser campeão do mundo. Alcançou-o na volta 27, quando Andretti seguiu em frente e acabou na gravilha, com um braço da suspensão partida.

Alboreto aproximava-se de Prost até o passar na volta 54, ficando com a liderança. O francês não ficou muito tempo na segunda posição, pois John Watson aproximou-se e o passou. Por essa altura, Prost sofria com o desgaste dos pneus e a vibração que lhes causava. Watson tentou aproximar-se de Alboreto, mas começou a sofrer o mesmo problema e abdicou de apanhar o italiano.

No final, Alboreto dava à Tyrrell a sua primeira vitória desde 1978, com Patrick Depailler ao volante, com Watson e Eddie Cheever no pódio, e com Prost no quarto posto. Keke Rosberg foi o quinto, suficiente para ser o primeiro finlandês campeão do mundo de Formula 1, na frente do seu companheiro de equipa, o irlandês Derek Daly. No final, com os prémios a serem entregues por Diana Ross, todos celebravam o final de uma temporada atribulada.


Depois da Formula 1, a CART


Apesar de ter sido palco de decisões, a corrida foi um fracasso em termos de audiência. Pouca gente foi ver as corridas, e o Ceasar's Palace teve enormes prejuízos em receber a competição. Em 1983, trocaram a Formula 1 pela CART, e a corrida foi agendada para 8 de outubro, antepenúltima corrida do campeonato. A pista foi modificada, unindo as curvas 3, 3 e 10 para formar uma oval distorcida, com a corrida a ter 175 voltas, com tempos a rondar os 36 segundos

A corrida teve John Paul Jr. como "poleman" e Mário Andretti como vencedor, colocando pressão sobre os outros candidatos ao título, o italiano Teo Fabi e o americano Al Unser Sr. John Paul Jr. foi o segundo, na frente de Chip Ganassi (sim, o futuro dono da equipa!) e Unser Sr.

No ano seguinte, a corrida de Las Vegas tornou-se na prova de encerramento do campeonato. Nesse ano, a luta era entre Mário Andretti, da Newman-Haas, e Tom Sneva, da Mayer Motor Racing, a equipa de Teddy Mayer. Danny Sullivan foi o "poleman", mas no final, foi Andretti a levar a melhor sobre Sneva, confirmando o campeonato CART para o piloto italo-americano, conquistado aos 44 anos de idade.

Após esse ano, a Ceasar's Palace desistiu de organizar e financiar uma corrida no parque de estacionamento do seu casino, e o terreno foi cedido para urbanização. Hoje em dia, dois casinos erguem-se onde outrora houve corridas: o The Mirage e o The Forum.

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