quinta-feira, 24 de março de 2016

Uma categoria autista

Escuso de vos dizer que a Formula 1 anda doente, porque sempre que é a altura, falo sobre esse assunto. Contudo, o tipo de doença que tenho visto nestes dias e mais aquele do género autista, ou seja, vive na sua própria bolha e não percebe que o mundo à sua volta está a avisá-lo que se dirige para um precipício do qual não se safará. Quando ontem a GPDA avisou às outras entidades que gerem a Formula 1 que o desporto precisa de ser modificado, sob pena de se perder os laços para com os espectadores, soube-se pouco depois que a Sky Sports britânica chegou a um acordo com a FOM para que a partir de 2019, as corridas sejam mostradas apenas em sinal fechado em paragens britânicas. Ou seja, nem Channel Four, nem BBC, transmitirão mais os Grandes Prémios em sinal aberto nas ilhas britânicas.

Pode ser um azar tremendo este anuncio, mas de uma certa maneira é um "fechar do circulo" de uma tendência que tem acontecido nos últimos dez anos: a Formula 1 elitizou-se, todos os que querem assistir às corridas terão de pagar para ver. Quase nenhum país transmite mais as corridas em sinal aberto, talvez com a notavel excepção brasileira. Vai ser como o boxe: acessivel apenas aos mais adeptos, que pagarão centenas de euros para ver um determinado evento. E esse dinheiro todo vai, claro, para a FOM, que nas suas partilhas, 45 por cento vai para a CVC Capital Partners, e desses, 15 por cento vai diretamente para o bolso de Bernie Ecclestone.

Mas o que se fala por estes dias tem a ver com o famoso modelo de qualificação que foi apelidado de "dança das cadeiras", e que resultou no embaraço que vimos em Melbourne. Apesar da promessa de que voltariam ao normal a partir do Bahrein, na realidade, tal coisa poderá demorar mais algum tempo. Parece que a Pirelli pediu para que ficassem por mais algum tempo, e fala-se que poderá haver um híbrido, ou seja, a mistura da Q1 e Q2 deste ano com a Q3 do modelo anterior.

E claro, caso isso seja verdade e caso isso aconteça, só dão razão aos críticos, que acham que as regras da Formula 1 estão a ser escritas "em cima do joelho".

Contudo, ao ler o post que o Joe Saward escreveu na terça-feira sobre todo este caso, parece que a história da qualificação foi um "mal menor", porque a alternativa que estava em cima da mesa era ainda pior: a reversão da grelha, penalizando os mais velozes, a bem do espectáculo. Seria parecido com a GP2, onde os oito primeiros da corrida anterior seriam invertidos. Claro, um sistema desses, como sabem, só iria dar crédito a quem não merece. Alguém vê por estes dias a GP2, por exemplo?

Mas essas declarações vieram da boca de Toto Wolff, o diretor da Mercedes, e pelos vistos, isso ainda não foi totalmente corroborado. Se isso é a justificação para o qual este sistema foi votado, não se sabe. Afinal de contas, a estrutura de decisão da Formula 1 é absolutamente opaca...

Obviamente que isto tudo tem a ver com politica, mas o "titio Joe" fala também na arrogância dos agentes envolvidos. Não só as equipas - o que seria de esperar - mas também do "anão". É que a obsessão destes dias já não é a tecnologia, mas sim o espectáculo. Ninguém por ali quer saber sobre os avanços tecnológicos que são feitos e depois são transportados para o dia a dia, e o melhor exemplo disso tem a ver com a discussão o ruído dos motores. Existe a poluição sonora e a ligação entre os decibéis e a surdez prematura nos seres humanos, mas parece que existe uma negação nesse caso, afirmando que motores barulhentos "fazem parte do espectáculo". E não é só os pilotos que se queixam: enquanto tiveres setores do público a defenderem que "quando mais alto, melhor", teremos dificuldade em passara a mensagem.

E claro, mais espectáculo, mais dólares para a CVC e o anão octogenário.

Claro que com estas coisas todas, o apelo da GPDA para que as coisas mudem é um aviso. O anão já reagiu, dizendo num comunicado de três parágrafos para especificar os aspectos dos quais devem haver modificações, numa resposta que pode ser interpretada entre o petulante e o arrogante, quase como a dizer "eles não tem coragem de fazer mais do que isto". Pegar fogo à tenda do circo com a pessoa lá dentro nem sempre resulta na fuga do perpetrador.

Agora, uma coisa é certa: este modelo precisa de ser modificado. E se não é por dentro, vai ser por fora. Não se esqueçam que a Comissão Europeia está a investigar desde o passado mês de outubro as acusações da Force India e da Sauber que existe um abuso de poder dominante...

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