sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Um almoço com Chris Amon (parte 1)

Quase por coincidência, deparei com este artigo da Motorsport Magazine na segunda-feira no Facebook. Guardei-o, porque a história de Chris Amon - que se formos ver bem, poderia passar pelo pai de Richard Hammond... - é algo que é fascinante, pela sua longa carreira numa era em que muitos morriam ao menor erro, pelas vitórias que nunca ganhou e pelos azares que passou em algumas equipas, especialmente na Ferrari, que se foi embora em 1969, um ano antes dela ficar bem perto de vencer o campeonato do mundo de pilotos...

Agora, as circunstâncias me fazem ler este artigo. É algo recorrente na entrevista, com os "almoços com..." feitos pelos jornalistas da mítica revista. Neste caso em particular, foi com Simon Taylor, em junho de 2008, na sua Nova Zelândia natal. Descreve o encontro como a oportunidade de conversar com "um piloto azarado que viveu para contar a história".

Sobre a fama de piloto azarado, ele respondia da seguinte forma: "Eu tenho uma resposta padrão para isso. As pessoas me dizem que eu sou o piloto de Formula 1 mais azarado da minha época, mas na verdade eu sou o mais sortudo. Tive mais sorte do que Jimmy e Jochen, Bruce, e Piers. Mais sorte do que os meus companheiros Bandini, Scarfiotti, Siffert e Cevert. E havia outros pilotos que eram meus amigos, pessoas com quem corria cada fim de semana. Eu tive vários grandes acidentes que poderiam ter-me matado: quebrei costelas, mas nunca fiquei gravemente ferido. Clark não teve acidentes até Hockenheim. Rindt raramente se machucava, também. Mas, infelizmente, [naqueles tempos] você só precisava de um acidente."

O almoço tinha sido em Auckland, e Chris tinha vindo de Taupo, onde morava e tinha a sua quinta. Já não fumava, e bebia água, numa refeição onde comeu sopa e uma salada. Ao longo desse almoço demonstrava estar de bom humor para contar a sua história, que começou numa quinta na vila de Bulls, no sul de Wanganui, na ilha do Norte neozelandês.

"Eu sempre tive uma consciência da história. Eu poderia dizer-te todos os pilotos que tinham ganho cada GP do pós-guerra. Quando eu tinha sete ou oito anos, um pastor que trabalhava para o meu pai deixava-me dirigir num velho Ford V8 que tinhamos na fazenda. Apoiado em almofadas, logo descobri como deslizar-lo com o carro, então eu aprendi desde cedo como controlá-lo".

Aos 16 anos, Chris tinha saído da escola e tinha convencido o seu pai a comprar-lhe um velho Austin, para as corridas de montanha. A curta experiência o fez querer mais, e depois, arranjou um Cooper de Formula 2 para depois saber que estava disponivel um velho Maserati 250F de motor à frente. Por esta altura, estávamos em 1961 e ele despontava nas corridas neozelandesas.

"[O Austin] era absolutamente letal, derrapava, mas quebrava transmissões. Eu só fiz uma corrida, e, felizmente, ele só durou uma volta. Depois tive um Cooper de Formula 2 de came único - essas coisas custavam quase nada por aqui - e então ouvimos que Tony Shelley tinha um velho Maserati 250F no seu quintal de Wellington. Como o Cooper tinha muita potência e tão pouca tração, [guiar o Maserati] era tudo muito diferente, pois o pedal do acelerador estava no meio. Peter Collins, Mike Hawthorn e Jack Brabham tinham corrido nele. Entrei e pensei, 'os meus heróis sentaram-se aqui'. Tony vendeu-me por 500 libras, mais o Cooper.

"Foi muito cansativo, mas havia uma pessoa muito inteligente chamad Bruce Wilson, que tinha uma pequena garagem perto de nós, despojado e reconstruído. Naqueles dias, tudo tinha de ser feito localmente, porque você não poderia obter os bits aqui. E ele fez isso de graça. Sem ele eu nunca teria chegado a lugar nenhum. Eu fiz um ano e meio com o Maserati, e nunca perdi o ritmo. Para as duas ou três primeiras corridas eu era praticamente um passageiro, mas no Grande Prémio da Nova Zelândia, que Moss, Surtees e Brabham vinham para o correr, era no aeródromo de Ardmore, com muito espaço. De repente, algo clicou dentro de mim."

Amon fez uma corrida decente com o Maserati. Estavamos em 1961, e Amon tinha 18 anos. As suas performances atrairam a atenção de Reg Parnell, que tinha uma equipa com o Yeoman Credit, que na altura guiava com Coopers. No ano seguinte, seguiu os passos de Amon, agora com os Lolas MK4 que John Surtees guiava para bons resultados nessa temporada. Após a corrida desse ano, disse a Amon que "arranjasse um passaporte e preparasse para voar para a Grã-Bretanha". Um dia, na semana da Páscoa de 1963, o telefone tocou.

"Ele me ligou e disse-me que queria em Londres na Páscoa - dali a quatro dias! Além de algumas corridas na Austrália, eu nunca tinha saído fora da Nova Zelândia. Eu nunca tinha estado dentro de um avião a jato. Eu chego a Heathrow na sexta-feira. A secretária de Reg, Gillian Harris, me levou para a oficina de Parnell, em Hounslow, para a instalação de um assento num Lola de Formula 1. Passei a noite num hotel, e na manhã seguinte, Reg levou-me para Goodwood para a o teste oficial para a corrida de Formula 1 na segunda-feira de Páscoa. Eu não podia acreditar o quão pouco de potência que estes carros de Formula 1, de 1,5 litros, tinham. E nenhum torque, também. Eu tive que mudar completamente o meu estilo de condução. Mas acabei a corrida no quinto lugar. Foi a primeira corrida de Formula 1 que tinha visto, e eu estava nele".

A temporada de 1963 não foi fácil, com o seu Lola. Apesar das boas performances durante a temporada, problemas com o carro o impediam de alcançar bons resultados. O pior aconteceu no GP de Itália, em Monza, onde um acidente o fez cuspir para fora do carro, fraturando algumas costelas e ficado no hospital por algumas semanas. Para piorar as coisas, no inicio de 1964, Reg Parnell ficou infectado com uma peritonite e acabou por morrer.

Contudo, para um rapaz de vinte anos, a atmosfera da Formula 1 era única: "Reg era uma pessoa bestial, quase como um pai para mim. A Formula 1 foi muito simpática, então. Eu era apenas o jovem recém-chegado, mas todos me fizeram sentir bem-vindo, nada do que vês hoje. Você poderia falar desde o Campeão do Mundo para baixo. Via-me cercado por pessoas que eu tinha crescido quase a idolatrá-los. Fiquei imaginando o que diabo eu estava a fazer ali".

"Para 1964, Reg tinha grandes planos: Lotus 25 para Mike Hailwood e eu, e o mais recente motor Climax V8. Então, ele tem apendicite, não foi ao médico - ele era teimoso - e quando vai para o hospital, já era muito tarde. Ele tinha apenas 52 anos. Seu filho Tim tinha que pegar aquilo tudo. Ele fez o seu melhor, mas fizemos 1964 com o Lotus 25 - que foram mesmo bons em comparação com os Lolas - mas acabamos com motores BRM cliente, que não eram tão bons assim. Embora Mike foi um piloto pagante, Tim lutava com um pequeno orçamento. Comprávamos peças sobressalentes de caixas de velocidades usados provenientes da Lotus, por isso, quando você tinha uma caixa de velocidades reconstruída, ele já estava cansado".

Mas apesar de tudo, havia sempre momentos divertidos, como a festa do seu 21º aniversário, no fim de semana do GP da Grã-Bretanha, em Brands Hatch. "Toda a gente da Formula 1 veio. A BP estava a fazer um filme sobre Mike Hailwood e queria mostrar-lhe relaxado, então eles disseram que iriam pagar a conta se deixarmos por lá uma equipa de filmagem. Mas eles apanharam um pifo tão grande que eram incapazes de fazer qualquer filmagem. A BP teve de pagar outra festa, onde fizemos tudo novamente".

Em 1965, Amon era piloto da McLaren, correndo especialmente para a Can-Am, fazendo dias a fio em testes de pneus para a Firestone. Os testes deram-lhe experiência para lidar com as potências dos carros, e enquanto corria algumas provas na Formula 1, também estava em Le Mans, com os Ford oficiais. A mesma coisa aconteceu em 1966, onde se dividiu entre a Formula 1, a Can-Am e a Endurance, onde a equipa que fazia com Bruce era a unica com pneus Firestone, enquanto que os outros calçavam Goodyear nos seus GT40.

"Todos os Fords de fábrica estavam com Goodyears, exceto o nosso, pois fomos contratados pela Firestone. No húmido, os intermediários da Firestone eram terríveis. No sábado à noite, fizemos duas paragens extra nas boxes e estavamos três voltas atrás dos líderes. Então, Bruce disse, 'eu vou resolver isso'. Ele foi ter com a Firestone e disse: 'Nós vamos retirar o carro, se não colocarmos os Goodyear'. Então a Firestone disse: 'Coloquem os Goodyears, então'. Eles me chamaram, mudei os pneus, e Bruce gritou para mim: 'Não temos nada a perder. Pedal a fundo.'

"Choveu de forma intermitente durante a noite, mas nós dois guiávamos prego a fundo, e pelo domingo de manhã estávamos na liderança, cerca de um minuto à frente do carro Ken Miles e Denny Hulme. Ford pendurou para fora o sinal EZ (para andar mais devagar) que Bruce levou algum tempo para ler, mas Ken não desacelerou nem um pouco e "comeu" toda a vantagem que tínhamos alcançado. Então, algo estranho aconteceu: no pitstop seguinte, quando não estávamos devido a troca de pneus, o cara da Goodyear, sem sequer olhar para os pneus, ordenou que os mecânicos alterassem uma das frentes, o que nos fez atrasar. Eu acho que ele não queria que os pilotos contratados pela Firestone vencessem a corrida. Então, Ken estava de volta na liderança e a distância para Bruce estava sendo agora alargada."

"Choveu um pouco mais, e tornou-se incrivelmente escorregadio. Bruce passou por Ken novamente, e, em seguida, Ford nos disseram que queriam encenar a chegada. Os dois carros cruzariam a linha mais ou menos lado a lado, mas os franceses decidiram que eramos os vencedores, porque tínhamos partido 30 metros atrás de Ken na partida. Depois, Ken ficou muito amargurado, ele estava literalmente em lágrimas. Falei com Denny sobre isso anos mais tarde e ele nunca teve as mesmas preocupações Ken tinha, mas a grande tragédia foi quando Ken foi morto algumas semanas mais tarde, testando o Ford J-car em Riverside."

(continua amanhã)

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