sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Noruega, a petro-monarquia onde o carro elétrico triunfa

Imaginem um país exportador de petróleo, uma petro-monarquia. Mas ao mesmo tempo, imaginem esse mesmo país onde o litro de gasolina é a mais cara da Europa - e se calhar do mundo - onde existem tantos incentivos à mobilidade elétrica que se chega ao ponto de em 2016, um terço dos carros novos serem elétricos. Fantasia? Não, é real, e tudo isso acontece num país chamado Noruega. Com cerca de 5,2 milhões de habitantes, em 2016 tinha cerca de 90 mil carros elétricos a circular, e com tendência para dobrar até 2018. Tanto que hoje em dia, o carro elétrico é vitima... do seu próprio sucesso.

Na Noruega, ter um carro elétrico tem imensas vantagens. Não paga para estacionar no centro das cidades, não paga portagem, nem para andar de "ferryboat", pode andar nas faixas de "bus" nas grandes cidades e estradas, entre outras coisas. Tudo isto tinha a ver com um plano do governo norueguês, aprovado no parlamento em 2013, com o objetivo de ter 50 mil carros elétricos a circular no final de 2018. Esses carros teriam uma matricula especial, denominada "EL", e teriam um desconto de 25 por cento no IVA, para que os preços fossem competitivos em relação aos carros a gasolina ou mesmo os híbridos. Para terem uma ideia, em 2013, um Volkswagen Golf 1.3 litros valia cerca de 42 mil euros, enquanto que um Nissan Leaf andava pelo mesmo preço, com os incentivos.

A mesma coisa foi feita para os carros a hidrogénio, que para além dos incentivos, tinham também uma matricula especial para eles, o "HY", mas apesar de ter havido um aumento nas vendas, o impacto não foi tão grande como aconteceu nos elétricos.

E já agora, em termos de energia... por causa do seu relevo, 98 por cento das suas fontes energéticas vêm das hidroeléricas, logo, é a fonte de energia mais limpa do mundo. Não há centrais a carvão, ou gás, e claro não há centrais nucleares. E por causa das eólicas e algum solar, exportam essa energia para o seu vizinho, a Suécia. 

A iniciativa foi um estrondoso sucesso. Apesar de em termos de total acumulado, os carros elétricos valerem cerca de 3 por cento, é catorze vezes mais do que a quota nos Estados Unidos, e em julho de 2015, o objetivo dos cinquenta mil carros elétricos foi alcançado, três anos antes do previsto. E a procura de matriculas "EL" foi tanta que já estão esgotados, passando agora aos "EK", que em norueguês são as iniciais de "veículo elétrico". Hoje, os números falam que há neste momento cerca de 121 mil carros elétricos a circular na Noruega, fazendo dela o maior marcado na Europa e o quarto maior no mundo, e já foi reservada uma terceira placa para carros elétricos, o "EV", significando que poderão chegar a um máximo de 150 mil carros elétricos por ali, talvez ainda antes de 2018, o ano em que pensavam que iriam alcançar o objetivo inicial.

E isso já foi reparado pelos construtores. A Nissan e a Renault já apresentou os seus modelos em Oslo, com a presença do próprio Carlos Ghosn, e a Tesla escolheu também a Noruega para lançar na Europa o seu modelo S, em agosto de 2013. E se todos esses carros são um sucesso nessas bandas (dez por cento dos carros que a Tesla vendeu no mundo em 2015 foram na Noruega), ainda existem muitos pequenos citadinos como o os locais Kewet e o Th!nk.

Claro, quem também beneficiou disto tudo foram os híbridos, que tendo um desconto semelhante aos elétricos e os carros movidos a hidrogénio, tanto que em 2016, já superaram as vendas de veículos novos. Em suma, tudo está a ser feito para que a Noruega seja o primeiro país do mundo onde a maioria dos carros deixe de ser a gasolina para ter híbridos ou elétricos, num espaço de cinco anos. E o novo plano nacional de transportes, que vai de 2018 até 2029, fala que nesse ano, 75 por cento de todos os carros, camiões e autocarros têm de ser elétricos, e 40 por cento dos "ferryboats" tem de ser, no mínimo, híbridos, ou com biocombustíveis. Claro, com incentivos subsequentes.

E a grande ironia é que acontece num país produtor de petróleo. Mas também falamos de um país onde 97 por cento das suas receitas petroliferas vão para um fundo soberano (por causa dessa politica, é o mais rico do mundo) e o resto é gasto no Orçamento de Estado para pagar a saúde, a educação, a segurança, entre muitos outros. E os noruegueses não deixam de pagar os seus impostos...

Parece uma fantasia, não é? Mas é real, ela existe.

Agora, nem tudo é um mar de rosas. Como disse em cima, os carros elétricos são vitimas do seu próprio sucesso. Com tantas excepções, começa a haver queixas. O excesso de subsidios ao carro elétrico fez com que as concessionárias das auto-estradas, bem como os dos parques de estacionamento em Oslo, a capital, e as outras cidades no país percam receitas, graças à popularidade do carro elétrico. De acordo com uma pesquisa de 2013, se anda num carro elétrico, poupa por ano 1400 dólares em portagens e cinco mil em estacionamento, mais 400 dólares em despesas complementares. E colocando ainda o beneficio de andar na faixa dos autocarros, um norueguês com um carro elétrico fica com 8200 dólares na carteira no final do ano. E isso é uma pequena ironia, porque, se a poluição desce, por um lado, não faz com que as pessoas troquem o carro pelos transportes públicos, que também é um objetivo para cortar nas emissões poluentes.

Outra vitima do "sucesso norueguês" são os autocarros. Não no sentido de terem mais ou menos passageiros, mas que começam a ter problemas na sua faixa exclusiva por causa... dos carros elétricos. Desde 2013 que os carros elétricos valem 75 por cento dos veículos que circulam nessa faixa e logo a seguir, com cada vez mais veículos, passaram a ter os mesmos problemas de engarrafamentos que tem os veículos convencionais, especialmente nas horas de ponta. E uma terceira vitima do sucesso são os operadores de "ferryboats", que perdem receitas à medida que levam cada vez mais carros elétricos nos seus barcos, estes que podem ser levados por ali de graça.

E claro, o governo vai reagir: a partir de 2018, os proprietários de carros elétricos vão começar a pagar um IVA reduzido, para em 2020 pagar tanto quanto os que comprarem um carro a combustão. E já disseram às autarquias que estão livres de continuar a deixar que estacionem os seus carros de forma gratuita ou começam a cobrar preços (mesmo que reduzidos) para poderem estacionar nos centros das cidades.

Em suma, a Noruega parece que pretende dar um exemplo ao mundo. Ser responsável perante os recursos minerais que têm, para ter uma vida para além dos recursos, ao contrario que vemos noutros países, é um exemplo que já vem do passado, e claro, tem consequências: é frequente ver a Noruega como o melhor país - ou um dos melhores países para se viver - nos indices de desenvolvimento humano. E isso também conta, nem que seja como exemplo a seguir num futuro próximo ou distante.

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