quarta-feira, 8 de março de 2017

Automobilismo e mulheres

Quando comecei a interessar-me por automobilismo, havia nos ralis uma mulher que corria contra os homens, e conseguia vencê-los. Chamava-se Michele Mouton e em 1982, quase foi campeã do mundo. Guiava carros que depois passaram para a história como sendo dos Grupo B. Uma mulher que era capaz disso era raro, e merecia ser digno de atenção, admiração e respeito. Eu pensava que iria ver mais exemplos como este nos anos que aí vinham, e que de uma certa maneira, ela teria aberto a chance de aparecerem muitas mais mulheres. Isto era há 30 anos.

Só que desse tempo para cá... não vi nada. A última mulher que participou num fim de semana de Formula 1 foi em 1992, com Giovana Amati. E das cinco mulheres que andaram na Formula 1, apenas uma mulher pontuou: a italiana Lella Lombardi. E não foi um ponto, foi meio ponto, porque aquela corrida - o infame GP de Espanha de 1975 - acabou demasiado cedo para dar aos pilotos a totalidade dos pontos. E nos ralis, depois de Mouton, não apareceu mais ninguém tão boa como ela, nem para os carros mais potentes, nem para as categorias mais pequenas, como o WRC2 e o WRC3. 

Em suma, encontrar uma mulher no automobilismo é como tentar achar vida noutros planetas. Sabemos que ela existe, mas é complicado de encontrar.

Vi muitos exemplos nos anos recentes. Conheço a Danica Patrick ou a Simona de Silvestro, que andaram bem na IndyCar, vi mulheres a andarem bem nas categorias de acesso, como a colombiana Tatiana Calderon ou a holandesa Beitske Visser, entre outras, mas também vi pilotos que não passavam do fundo do pelotão como a Carmen Jordá, por exemplo. E ao vê-las num carro de Formula 1, pareciam que não passariam de "decoração", só para provar que sabem guiar e mais nada. Para mim pessoas como Jordá não ajudaram, bem pelo contrário: só pioraram.

E é isso que me incomoda, sabem. É simples: quero ver uma mulher na Formula 1 com capacidade para andar a par com os homens. E não quero ver só uma mulher, quero ver várias. E não tenho visto nada disso no automobilismo, ultimamente. Pois quando digo "Formula 1", também digo "ralis", também digo "Endurance" ou "Turismos". Lá aparecem exemplos, mas são a excepção e não a regra.

Claro, vão me falar que há mulheres em cargos dirigentes, como a Claire Williams e a Monisha Kalternborn (Sauber). Ter duas mulheres no topo de duas equipas é bem interessante, mas são duas excepções. As engenheiras e mecânicas estão em minoria nas equipas de Formula 1, e na Endurance e Ralis, a mesma coisa. E depois da Lena Gaarde, na Audi, a engenheira que ajudou a vencer em algumas edições das 24 Horas de Le Mans, se ter ido embora, virou deserto. Diabos, se quiserem ver os cursos universitários de engenharia, poderão ver que elas ainda são a minoria!  

O automobilismo é meritocrático, sejamos honestos. Mas também é darwinista, no sentido de que premeia os fortes e despreza os fracos. E até aparecer alguém que supere outros, vai ter uma má opinião sobre determinada raça ou sexo. Vão ver como são tratados os pilotos japoneses. Se existisse um japonês campeão do mundo, acham que teria o mesmo tratamento derisório que têm a maior parte deles? Não. E o melhor exemplo atual é ver Lewis Hamilton, tricampeão do mundo de Formula 1 e pertencente à minoria de pilotos negros ou mestiços que chegaram à categoria máxima do automobilismo. E hoje, num pelotão de vinte pilotos, temos dois. Para além de Hamilton, temos Pascal Wehrlein, filho de alemão e de uma habitante das ilhas Mauricias, e que em 2015, aos vinte anos de idade, foi campeão da DTM alemã.

Em suma, a mensagem que passam é: se aguentares e fores bem sucedido, tens o nosso respeito. Mas num mundo como este, onde metade chega por causa do que tem nos bolsos, e a outra metade chega através da proteção das equipas, raríssimos são os que chegam pelo puro talento e sem padrinhos. E claro, as mulheres saem muito a perder.

A FIA quer mudar isso. É verdade que estão a aparecer cada vez mais muheres, mas pergunta-se se elas aguentariam um carro como os que temos visto por estes dias em Barcelona. Se os próprios titulares se queixam das contusões que os carros provocam em curva, feitas em 5 G's, em média, imaginem as mulheres, por mais bem treinadas que são? Aguentariam? Provavelmente sim, mas até que ponto?

E a mentalidade é essa. Prova que mereces esse lugar, é o que dizem, sem o afirmar. E enquanto não virmos uma "Hamilton", isso não terá resposta, ou então, ficamo-nos pelos preconceitos. E é por isso que quando vejo garotas como a Calderon ou a Visser, não acredito muito que algum dia se sentem dentro de um carro de Formula 1 para além de meros testes ou de publicidade de uma sessão fotográfica qualquer. Até a tal prova em contrário. E a mesma coisa vai acontecer nos ralis ou na Endurance, se calhar.

E provavelmente, figuras como Lella Lombardi e Michele Mouton serão as excepções de um preconceito que se calhar se enraizará por gerações que se seguem. Espero estar enganado.   

Sem comentários: